sábado, 26 de dezembro de 2015

Pistas para homilia

SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ


Liturgia da Palavra: Eclo (Sirac) 3, 3-7.14-17ª; Sl 127 (128); Cl 3, 12-21; Lc 2, 41-52
Tema: “Sagrada Família de Jesus, Maria e José”
Mensagem: Essa é a grande missão da família: fazer lugar para Jesus que vem, receber Jesus na família, na pessoa dos filhos, do marido, da esposa, dos avós, porque Jesus está aí (Papa Francisco).
Imagem: A Sagrada Família: Jesus, Maria, José.

Introdução:
Logo após ou melhor dentro do Natal a Igreja celebra a “Sagrada Família de Jesus, Maria e José”. Esta é a primeira realidade humana na qual Cristo quer encanar-se: a família.
Neste ano, nossa celebração não pode deixar de levar em conta o júbilo de um novo Ano Santo e o recente Sínodo dos Bispos. Ambos nos convocam para contemplarmos o “Rosto da Misericórdia” de Deus nosso Pai: Jesus Cristo”. Ele deve ser o modelo desta Igreja. Uma Igreja que pode ser comparada, segundo o Papa, a um “hospital de campanha”, isto é, lugar de acolhimento e cuidado para os feridos e não “cidadela privilegiada” para os fortes que permanecem ilesos da luta da vida num mundo em que a fragilidade do humano e das suas instituições, inclusive e principalmente a família, se torna cada vez mais um apelo à misericórdia.
Meditemos, pois, a mensagem que a Palavra de Deus nos traz nesta festa.
  1. Jesus a porta da casa do Pai
O primeiro anúncio de Jesus no Evangelho de Lucas é uma pergunta-resposta “Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai? ” (Lc 2, 49). Em grego, literalmente, o texto diz: “não sabíeis que é necessário para mim estar no meio das coisas de meu Pai?” Sua vida toda é um estar na proximidade e no abrigo, sim, na morada, junto ao Mistério fontal da Gratuidade, do Pai. Os interesses do Pai são os seus interesses, do início ao fim de sua vida. Viver é, para Ele, cuidar destes interesses. A última palavra de Jesus, no mesmo evangelho de Lucas, tem o mesmo sentido de entrega. Do alto da Cruz, “Jesus deu um grande grito; ele disse: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. E, com essas palavras expirou” (Lc 23, 43).
Jesus, pelo mistério da encarnação, se tornou o “primogênito entre muitos irmãos”, ou seja, todos os homens, nele, foram acolhidos pelo Pai como seus filhos, constituindo, assim, uma única família. Assim, “a todos os que O receberam deu-lhes a autoridade de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). Estes não nascem do sangue, nem de um querer carnal, nem de um querer humano espiritual, mas nascem de Deus mesmo, da sua gratuidade (cfr. Jo 1, 13). A vida de Jesus toda se desenvolve e se desdobra, então, em “estar no meio das coisas que são do seu Pai”, ou seja, em estar e caminhar no meio dos homens (Jo 1, 14), como junto a irmãos, no cuidado da família de seu Pai. Por isso, no evangelho de Marcos, quando sua mãe e seus parentes o procuram, ele diz: “ ‘Quem são minha mãe e meus irmãos? ’ E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados em círculo à sua volta, disse: ‘Eis minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã, minha mãe’” (Mc 3, 33-35).
O Evangelho é, pois, uma novidade para todos os homens. É uma mensagem plural, inclusiva e universal: a Alegre Mensagem da Paternidade de Deus e da filiação concedida como graça a todos os humanos. Esta é a realidade última, definitiva e absoluta, à qual Jesus se dedica, como estando “no meio das coisas que são do Pai”: a Alegria dos homens.
Nesse sentido, quando o Evangelho diz que Jesus “subiu a Jerusalém” (Lc 2, 42) e “desceu a Nazaré” (Lc 2, 51) talvez não esteja falando num sentido apenas físico e geográfico, mas dando-nos um ensinamento existencial, espiritual: o da humildade cristã. A encarnação nos ensina a nos encarnarmos, também nós, no mistério da pequenez da vida humana terra a terra, dia a dia. Isto é seguir Cristo na via régia da humildade.
  1. Jesus Maria e José, princípio do matrimônio cristão
O Matrimônio cristão – que, assim como o celibato apostólico e evangélico, é “por causa do Reino dos Céus” – não tem outro princípio e outra lei do que o Amor-Caridade: “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, também vós amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). Este mandamento é incumbência e é graça. Assim como, em Caná, Cristo transformou a água em vinho, assim também, no cotidiano do matrimônio cristão, ele transforma o amor humano natural, carnal, psíquico, no amor-gratuidade, gratuito, espiritual, pneumático, descrito por Paulo como o carisma mais elevado do Espírito Santo e a via mais excelente da vida cristã (1 Cor 13).
Maria e José aceitaram, no amor-gratuidade, a missão de serem mãe e pai (cuidador, protetor, educador) de Jesus. Nesta aceitação, mostraram uma disponibilidade incondicional. O episódio do Evangelho de hoje mostra o cuidado diligente e a disponibilidade incondicional com o qual eles se deixaram incumbir da missão da paternidade e maternidade daquele Menino, em cuja fragilidade se dava e se ocultava, ao mesmo tempo, corporalmente, isto é, realmente, e não só simbolicamente, a plenitude da divindade (Col. 2, 9). No mistério daquele Menino identificavam-se a pergunta humana e a resposta divina. Pergunta e resposta, que nascem da mesma fonte, a Sabedoria divina. Nele, o homem se fazia discípulo e perguntava. Nele, Deus se fazia mestre e respondia. Este Menino não fazia nenhum milagre. Ele era o milagre. Seus pais se admiravam d’Ele. Ele lhes era tão próximo e familiar, mas, ao mesmo tempo, era para eles o incompreensível: humilde sublimidade, sublime humildade, como dizia São Francisco de Assis. Em sua transcendência imanente e imanência transcendente ele escapava-lhes, fugia-lhes do alcance, apesar de que, em sua obediência e piedade filiais, Ele se lhes submetia. Maria e José pressentiam, vislumbravam, algo do Mistério do Menino, que era o Menino do Mistério. Ele se sabia proveniente de outra Origem, que não aquela terrena, familiar, conhecida, e queria permanecer junto, próximo, envolvido pelo Mistério da Origem, que ele evocava, em tom de intimidade pessoal, natural, desde a meninice, com o nome de “Pai”. Maria, discípula, esperava, no entanto, que o que estava em devir, se revelasse com mais clareza com o passar do tempo. Por isso, tentava relacionar o sentido dos acontecimentos que se davam em meio à vida da sua família. José, varão justo, por sua vez, se entregava ao mistério e se deixava guiar por ele, aceitando a incumbência de ser cuidador, protetor, educador do Menino. Tudo isso acontece desde a generosidade fontal do amor-gratuidade que neles tomava corpo e se fazia cuidado maternal e paternal.
Assim como no Natal Jesus se reveste e se sustenta na força da não-força que é a pura gratuidade do amor que é o Pai, a misericórdia, também o homem e a mulher que se unem em matrimônio se entregam nas mãos de Deus, fonte do amor e da vida. E Deus diz sim ao sim recíproco dos que, na coragem do amor, assim estão decididos. Deus se alegra com o júbilo dos esposos. Resolve toma-los como instrumentos de seu querer benevolente para com os humanos. “Deus diz realmente, e com incrível condescendência, sim para vosso sim; mas, enquanto Ele fizer assim criará ao mesmo tempo algo totalmente novo: Ele cria do vosso amor – o santo matrimônio” (D. Bonhoeffer)1.
O matrimônio é mais do que o amor conjugal. Ele é a nova criação da Graça regendo e recriando, dia após dia, o amor conjugal. Nesta nova criação, o casal deixa de mirar apenas à própria felicidade terrena, e passam a ser postos como responsáveis pelos homens, cuidadores deles, na grande família do Pai eterno. O amor do casal se torna, então, uma incumbência, e uma missão, que participa da missão do Filho na encarnação. Obra da graça, não é o amor que sustenta o matrimônio, mas o matrimônio que sustenta o amor conjugal. E Deus se faz fiador do matrimônio. Promete guarda-lo contra todo o poder do mundo, contra toda a tentação, toda a fraqueza humana. Basta que o casal a Ele se confie, deixe-se guiar por Ele, na abertura da obediência da fé, como fizeram, hoje, Maria e José. Assim, o casal cristão pode dizer: “nós não podemos mais ser perdidos um ao outro, nós pertencemos um ao outro pela vontade de Deus até morrer” (idem).
  1. Diferentes na unidade e unidos na diferença
O matrimônio cristão é uma comunhão “no Senhor”, assim expresso pelo Apóstolo Paulo: “Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza”. Este modo de dizer “no Senhor” resume tudo. Homem e mulher são iguais e são diferentes. Há uma igualdade na essência. É o sentido da exclamação de Adão na criação da mulher: “Eis, desta vez, o osso dos meus ossos e a carne da minha carne! Ela se chamará humana, pois do humano foi tirada” (Gn 2, 23). Homem e mulher são, no entanto, diferentes. Porém, sem detrimento desta diferença, são atraídos para a unidade e para a formação de uma identidade no amor: “Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para ligar-se à sua mulher, e se torna uma só carne” (Gn 2, 24). Com esta união, cria-se um lar. Neste lar, estabelece-se, então, a difícil tensão e o difícil equilíbrio da vida. Na dinâmica da vida e da convivência, toda a identidade precisa da diferença para se constituir. Por outro lado, “todo viver para e da vida tem de ser criativo de outras possibilidades de transformar igualdades numa dinâmica de identidade. A identidade não tira. A identidade dá a união das diferenças com a igualdade e vice-versa. Em toda união acontece uma comunidade recíproca de constituição entre igualdade e diferença. Para ser igual a igualdade necessita das diferenças tanto quanto as diferenças necessitam da igualdade para constituírem sua identidade” (E. Carneiro Leão). O amor é o que constitui a unidade dos diversos, a identidade dos diferentes, a igualdade dos desiguais. Mestre Eckhart diz: “Assim, deve ser um o teu amor, pois o amor não quer estar em nenhum lugar a não ser ali onde existe igualdade. Uma mulher e um homem são desiguais; no amor, porém, eles são totalmente iguais. Por isso a Escritura diz muito bem que Deus fez a mulher de uma costela, tirando-a do lado do homem, e não da cabeça ou dos pés” (Sermão 27).
Assim, a mulher é o primeiro outro do homem, mas um outro que é, na essência, o mesmo, isto é, a mesma natureza, a mesma essência: “o osso dos meus ossos e a carne da minha carne”. Assim, homem e mulher se encontram não como simples macho e fêmea, mas como pessoas, no face-a-face. O desafio é que se encontrem o homem humano e a mulher humana, como companheiros na viagem, que é a experiência da vida. Assim caminharam Maria e José, como companheiros, homem humano e mulher humana. A encarnação de Cristo veio nos ensinar isto – a sermos homens humanos e mulheres humanas. “No Senhor”, os cônjuges cristãos têm a graça de serem tais. “No Senhor” a vontade de dominação de um sobre o outro deve se converter na disponibilidade do serviço e do amor. “No Senhor”, para a mulher, servir ao marido não é uma vergonha, mas uma honra. “No Senhor”, para o homem, amar à esposa não é uma fraqueza, mas uma virtude, um vigor do ânimo. A ordem que surge na família que se reúne “no Senhor” não se constitui a partir da reivindicação do poder de dominação. Em Cristo, o poder sofre uma guinada: vira serviço. Por isso, “no Senhor”, marido serve à esposa, pais servem aos filhos, como Cristo , pela Encarnação, assumiu a forma de servo e deu , como lição da última ceia e da cruz, o exemplo do lava-pés. Na Cruz, o Esposo, Cristo, deu a vida à esposa, à Igreja, (nova humanidade). Que nasceu de seu lado ferido pela lança, como nova Eva (Vida) que procede do novo Adão (Humano).Assim, o “como Eu vos amei”, amai-vos uns aos outros” se põe como lei régia do matrimônio e da família que compartilha a vida comum “no Senhor”.
Conclusão
Nesta livre e terna disponibilidade dos cônjuges um para com o outro se consuma o amor terno que faz do lar um lugar de paz, quietude, amor e pureza, onde a felicidade e a bênção têm a sua morada, como o lar de Nazaré, onde o Menino Jesus crescia em sabedoria e em estatura, e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).

1 “Sermão da cela para um casamento”. Em: Resistência e Submissão, p. 39 ss. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário