SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ
Tema:
“Sagrada Família de Jesus, Maria e José”
Mensagem:
Essa é a grande missão da família: fazer lugar para Jesus que vem,
receber Jesus na família, na pessoa dos filhos, do marido, da
esposa, dos avós, porque Jesus está aí (Papa Francisco).
Imagem:
A Sagrada Família: Jesus, Maria, José.
Introdução:
Logo
após ou melhor dentro do Natal a Igreja celebra a “Sagrada Família
de Jesus, Maria e José”. Esta é a primeira realidade humana na
qual Cristo quer encanar-se: a família.
Neste
ano, nossa celebração não pode deixar de levar em conta o júbilo
de um novo Ano Santo e o recente Sínodo dos Bispos. Ambos nos
convocam para contemplarmos o “Rosto da Misericórdia” de Deus
nosso Pai: Jesus Cristo”. Ele deve ser o modelo desta Igreja. Uma
Igreja que pode ser comparada, segundo o Papa, a um “hospital de
campanha”, isto é, lugar de acolhimento e cuidado para os feridos
e não “cidadela privilegiada” para os fortes que permanecem
ilesos da luta da vida num mundo em que a fragilidade do humano e das
suas instituições, inclusive e principalmente a família, se torna
cada vez mais um apelo à misericórdia.
Meditemos,
pois, a mensagem que a Palavra de Deus nos traz nesta festa.
- Jesus a porta da casa do Pai
O
primeiro anúncio de Jesus no Evangelho de Lucas é uma
pergunta-resposta “Não sabíeis que Eu devia estar na casa de
meu Pai? ” (Lc 2, 49). Em grego, literalmente, o texto diz:
“não sabíeis que é necessário para mim estar no meio das
coisas de meu Pai?” Sua vida toda é um estar na proximidade e
no abrigo, sim, na morada, junto ao Mistério fontal da Gratuidade,
do Pai. Os interesses do Pai são os seus interesses, do início ao
fim de sua vida. Viver é, para Ele, cuidar destes interesses. A
última palavra de Jesus, no mesmo evangelho de Lucas, tem o mesmo
sentido de entrega. Do alto da Cruz, “Jesus deu um grande grito;
ele disse: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’.
E, com essas palavras expirou” (Lc 23, 43).
Jesus,
pelo mistério da encarnação, se tornou o “primogênito entre
muitos irmãos”, ou seja, todos os homens, nele, foram
acolhidos pelo Pai como seus filhos, constituindo, assim, uma
única família. Assim, “a todos os que O receberam deu-lhes
a autoridade de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). Estes
não nascem do sangue, nem de um querer carnal, nem de um querer
humano espiritual, mas nascem de Deus mesmo, da sua gratuidade (cfr.
Jo 1, 13). A vida de Jesus toda se desenvolve e se desdobra, então,
em “estar no meio das coisas que são do seu Pai”, ou seja, em
estar e caminhar no meio dos homens (Jo 1, 14), como junto a irmãos,
no cuidado da família de seu Pai. Por isso, no evangelho de Marcos,
quando sua mãe e seus parentes o procuram, ele diz: “ ‘Quem
são minha mãe e meus irmãos? ’ E, percorrendo com o olhar os
que estavam sentados em círculo à sua volta, disse: ‘Eis minha
mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é
meu irmão, minha irmã, minha mãe’” (Mc 3, 33-35).
O
Evangelho é, pois, uma novidade para todos os homens. É uma
mensagem plural, inclusiva e universal: a Alegre Mensagem da
Paternidade de Deus e da filiação concedida como graça a todos os
humanos. Esta é a realidade última, definitiva e absoluta, à qual
Jesus se dedica, como estando “no meio das coisas que são do
Pai”: a Alegria dos homens.
Nesse
sentido, quando o Evangelho diz que Jesus “subiu a Jerusalém”
(Lc 2, 42) e “desceu a Nazaré” (Lc 2, 51) talvez não
esteja falando num sentido apenas físico e geográfico, mas
dando-nos um ensinamento existencial, espiritual: o da humildade
cristã. A encarnação nos ensina a nos encarnarmos, também nós,
no mistério da pequenez da vida humana terra a terra, dia a dia.
Isto é seguir Cristo na via régia da humildade.
- Jesus Maria e José, princípio do matrimônio cristão
O
Matrimônio cristão – que, assim como o celibato apostólico e
evangélico, é “por causa do Reino dos Céus” – não
tem outro princípio e outra lei do que o Amor-Caridade: “Amai-vos
uns aos outros. Como eu vos amei, também vós amai-vos uns aos
outros” (Jo 13, 34). Este mandamento é incumbência e é
graça. Assim como, em Caná, Cristo transformou a água em vinho,
assim também, no cotidiano do matrimônio cristão, ele transforma o
amor humano natural, carnal, psíquico, no amor-gratuidade, gratuito,
espiritual, pneumático, descrito por Paulo como o carisma mais
elevado do Espírito Santo e a via mais excelente da vida cristã (1
Cor 13).
Maria
e José aceitaram, no amor-gratuidade, a missão de serem mãe e pai
(cuidador, protetor, educador) de Jesus. Nesta aceitação, mostraram
uma disponibilidade incondicional. O episódio do Evangelho de hoje
mostra o cuidado diligente e a disponibilidade incondicional com o
qual eles se deixaram incumbir da missão da paternidade e
maternidade daquele Menino, em cuja fragilidade se dava e se
ocultava, ao mesmo tempo, corporalmente, isto é, realmente, e não
só simbolicamente, a plenitude da divindade (Col. 2, 9). No mistério
daquele Menino identificavam-se a pergunta humana e a resposta
divina. Pergunta e resposta, que nascem da mesma fonte, a Sabedoria
divina. Nele, o homem se fazia discípulo e perguntava. Nele, Deus se
fazia mestre e respondia. Este Menino não fazia nenhum milagre. Ele
era o milagre. Seus pais se admiravam d’Ele. Ele lhes era tão
próximo e familiar, mas, ao mesmo tempo, era para eles o
incompreensível: humilde sublimidade, sublime humildade, como
dizia São Francisco de Assis. Em sua transcendência imanente e
imanência transcendente ele escapava-lhes, fugia-lhes do alcance,
apesar de que, em sua obediência e piedade filiais, Ele se lhes
submetia. Maria e José pressentiam, vislumbravam, algo do Mistério
do Menino, que era o Menino do Mistério. Ele se sabia proveniente de
outra Origem, que não aquela terrena, familiar, conhecida, e queria
permanecer junto, próximo, envolvido pelo Mistério da Origem, que
ele evocava, em tom de intimidade pessoal, natural, desde a meninice,
com o nome de “Pai”. Maria, discípula, esperava, no entanto, que
o que estava em devir, se revelasse com mais clareza com o passar do
tempo. Por isso, tentava relacionar o sentido dos acontecimentos que
se davam em meio à vida da sua família. José, varão justo, por
sua vez, se entregava ao mistério e se deixava guiar por ele,
aceitando a incumbência de ser cuidador, protetor, educador do
Menino. Tudo isso acontece desde a generosidade fontal do
amor-gratuidade que neles tomava corpo e se fazia cuidado maternal e
paternal.
Assim
como no Natal Jesus se reveste e se sustenta na força da não-força
que é a pura gratuidade do amor que é o Pai, a misericórdia,
também o homem e a mulher que se unem em matrimônio se entregam nas
mãos de Deus, fonte do amor e da vida. E Deus diz sim ao sim
recíproco dos que, na coragem do amor, assim estão decididos. Deus
se alegra com o júbilo dos esposos. Resolve toma-los como
instrumentos de seu querer benevolente para com os humanos. “Deus
diz realmente, e com incrível condescendência, sim para vosso sim;
mas, enquanto Ele fizer assim criará ao mesmo tempo algo totalmente
novo: Ele cria do vosso amor – o santo matrimônio” (D.
Bonhoeffer)1.
O
matrimônio é mais do que o amor conjugal. Ele é a nova criação
da Graça regendo e recriando, dia após dia, o amor conjugal. Nesta
nova criação, o casal deixa de mirar apenas à própria felicidade
terrena, e passam a ser postos como responsáveis pelos homens,
cuidadores deles, na grande família do Pai eterno. O amor do casal
se torna, então, uma incumbência, e uma missão, que participa da
missão do Filho na encarnação. Obra da graça, não é o amor que
sustenta o matrimônio, mas o matrimônio que sustenta o amor
conjugal. E Deus se faz fiador do matrimônio. Promete guarda-lo
contra todo o poder do mundo, contra toda a tentação, toda a
fraqueza humana. Basta que o casal a Ele se confie, deixe-se guiar
por Ele, na abertura da obediência da fé, como fizeram, hoje, Maria
e José. Assim, o casal cristão pode dizer: “nós não podemos
mais ser perdidos um ao outro, nós pertencemos um ao outro pela
vontade de Deus até morrer” (idem).
-
Diferentes na unidade e unidos na diferença
O
matrimônio cristão é uma comunhão “no Senhor”, assim
expresso pelo Apóstolo Paulo: “Esposas, sede submissas aos
vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas
esposas e não as trateis com aspereza”. Este modo de dizer “no
Senhor” resume tudo. Homem e mulher são iguais e são
diferentes. Há uma igualdade na essência. É o sentido da
exclamação de Adão na criação da mulher: “Eis, desta vez, o
osso dos meus ossos e a carne da minha carne! Ela se chamará humana,
pois do humano foi tirada” (Gn 2, 23). Homem e mulher são, no
entanto, diferentes. Porém, sem detrimento desta diferença, são
atraídos para a unidade e para a formação de uma identidade no
amor: “Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para ligar-se à
sua mulher, e se torna uma só carne” (Gn 2, 24). Com esta
união, cria-se um lar. Neste lar, estabelece-se, então, a difícil
tensão e o difícil equilíbrio da vida. Na dinâmica da vida e da
convivência, toda a identidade precisa da diferença para se
constituir. Por outro lado, “todo viver para e da vida tem de ser
criativo de outras possibilidades de transformar igualdades numa
dinâmica de identidade. A identidade não tira. A identidade dá a
união das diferenças com a igualdade e vice-versa. Em toda união
acontece uma comunidade recíproca de constituição entre igualdade
e diferença. Para ser igual a igualdade necessita das diferenças
tanto quanto as diferenças necessitam da igualdade para constituírem
sua identidade” (E. Carneiro Leão). O amor é o que constitui a
unidade dos diversos, a identidade dos diferentes, a igualdade dos
desiguais. Mestre Eckhart diz: “Assim, deve ser um o teu amor, pois
o amor não quer estar em nenhum lugar a não ser ali onde existe
igualdade. Uma mulher e um homem são desiguais; no amor, porém,
eles são totalmente iguais. Por isso a Escritura diz muito bem que
Deus fez a mulher de uma costela, tirando-a do lado do homem, e não
da cabeça ou dos pés” (Sermão 27).
Assim,
a mulher é o primeiro outro do homem, mas um outro que é, na
essência, o mesmo, isto é, a mesma natureza, a mesma essência: “o
osso dos meus ossos e a carne da minha carne”. Assim, homem e
mulher se encontram não como simples macho e fêmea, mas como
pessoas, no face-a-face. O desafio é que se encontrem o homem humano
e a mulher humana, como companheiros na viagem, que é a experiência
da vida. Assim caminharam Maria e José, como companheiros, homem
humano e mulher humana. A encarnação de Cristo veio nos ensinar
isto – a sermos homens humanos e mulheres humanas. “No
Senhor”, os cônjuges cristãos têm a graça de serem tais.
“No Senhor” a vontade de dominação de um sobre o outro deve se
converter na disponibilidade do serviço e do amor. “No Senhor”,
para a mulher, servir ao marido não é uma vergonha, mas uma honra.
“No Senhor”, para o homem, amar à esposa não é uma
fraqueza, mas uma virtude, um vigor do ânimo. A ordem que surge na
família que se reúne “no Senhor” não se constitui a
partir da reivindicação do poder de dominação. Em Cristo, o poder
sofre uma guinada: vira serviço. Por isso, “no Senhor”, marido
serve à esposa, pais servem aos filhos, como Cristo , pela
Encarnação, assumiu a forma de servo e deu , como lição da última
ceia e da cruz, o exemplo do lava-pés. Na Cruz, o Esposo, Cristo,
deu a vida à esposa, à Igreja, (nova humanidade). Que nasceu de seu
lado ferido pela lança, como nova Eva (Vida) que procede do novo
Adão (Humano).Assim, o “como Eu vos amei”, amai-vos uns aos
outros” se põe como lei régia do matrimônio e da família que
compartilha a vida comum “no Senhor”.
Conclusão
Nesta
livre e terna disponibilidade dos cônjuges um para com o outro se
consuma o amor terno que faz do lar um lugar de paz, quietude, amor e
pureza, onde a felicidade e a bênção têm a sua morada, como o lar
de Nazaré, onde o Menino Jesus crescia em sabedoria e em estatura, e
em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).
1
“Sermão da cela para um casamento”. Em: Resistência e
Submissão, p. 39 ss.
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