sábado, 26 de dezembro de 2015

Pistas para homilia

SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ


Liturgia da Palavra: Eclo (Sirac) 3, 3-7.14-17ª; Sl 127 (128); Cl 3, 12-21; Lc 2, 41-52
Tema: “Sagrada Família de Jesus, Maria e José”
Mensagem: Essa é a grande missão da família: fazer lugar para Jesus que vem, receber Jesus na família, na pessoa dos filhos, do marido, da esposa, dos avós, porque Jesus está aí (Papa Francisco).
Imagem: A Sagrada Família: Jesus, Maria, José.

Introdução:
Logo após ou melhor dentro do Natal a Igreja celebra a “Sagrada Família de Jesus, Maria e José”. Esta é a primeira realidade humana na qual Cristo quer encanar-se: a família.
Neste ano, nossa celebração não pode deixar de levar em conta o júbilo de um novo Ano Santo e o recente Sínodo dos Bispos. Ambos nos convocam para contemplarmos o “Rosto da Misericórdia” de Deus nosso Pai: Jesus Cristo”. Ele deve ser o modelo desta Igreja. Uma Igreja que pode ser comparada, segundo o Papa, a um “hospital de campanha”, isto é, lugar de acolhimento e cuidado para os feridos e não “cidadela privilegiada” para os fortes que permanecem ilesos da luta da vida num mundo em que a fragilidade do humano e das suas instituições, inclusive e principalmente a família, se torna cada vez mais um apelo à misericórdia.
Meditemos, pois, a mensagem que a Palavra de Deus nos traz nesta festa.
  1. Jesus a porta da casa do Pai
O primeiro anúncio de Jesus no Evangelho de Lucas é uma pergunta-resposta “Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai? ” (Lc 2, 49). Em grego, literalmente, o texto diz: “não sabíeis que é necessário para mim estar no meio das coisas de meu Pai?” Sua vida toda é um estar na proximidade e no abrigo, sim, na morada, junto ao Mistério fontal da Gratuidade, do Pai. Os interesses do Pai são os seus interesses, do início ao fim de sua vida. Viver é, para Ele, cuidar destes interesses. A última palavra de Jesus, no mesmo evangelho de Lucas, tem o mesmo sentido de entrega. Do alto da Cruz, “Jesus deu um grande grito; ele disse: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. E, com essas palavras expirou” (Lc 23, 43).
Jesus, pelo mistério da encarnação, se tornou o “primogênito entre muitos irmãos”, ou seja, todos os homens, nele, foram acolhidos pelo Pai como seus filhos, constituindo, assim, uma única família. Assim, “a todos os que O receberam deu-lhes a autoridade de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). Estes não nascem do sangue, nem de um querer carnal, nem de um querer humano espiritual, mas nascem de Deus mesmo, da sua gratuidade (cfr. Jo 1, 13). A vida de Jesus toda se desenvolve e se desdobra, então, em “estar no meio das coisas que são do seu Pai”, ou seja, em estar e caminhar no meio dos homens (Jo 1, 14), como junto a irmãos, no cuidado da família de seu Pai. Por isso, no evangelho de Marcos, quando sua mãe e seus parentes o procuram, ele diz: “ ‘Quem são minha mãe e meus irmãos? ’ E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados em círculo à sua volta, disse: ‘Eis minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã, minha mãe’” (Mc 3, 33-35).
O Evangelho é, pois, uma novidade para todos os homens. É uma mensagem plural, inclusiva e universal: a Alegre Mensagem da Paternidade de Deus e da filiação concedida como graça a todos os humanos. Esta é a realidade última, definitiva e absoluta, à qual Jesus se dedica, como estando “no meio das coisas que são do Pai”: a Alegria dos homens.
Nesse sentido, quando o Evangelho diz que Jesus “subiu a Jerusalém” (Lc 2, 42) e “desceu a Nazaré” (Lc 2, 51) talvez não esteja falando num sentido apenas físico e geográfico, mas dando-nos um ensinamento existencial, espiritual: o da humildade cristã. A encarnação nos ensina a nos encarnarmos, também nós, no mistério da pequenez da vida humana terra a terra, dia a dia. Isto é seguir Cristo na via régia da humildade.
  1. Jesus Maria e José, princípio do matrimônio cristão
O Matrimônio cristão – que, assim como o celibato apostólico e evangélico, é “por causa do Reino dos Céus” – não tem outro princípio e outra lei do que o Amor-Caridade: “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, também vós amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). Este mandamento é incumbência e é graça. Assim como, em Caná, Cristo transformou a água em vinho, assim também, no cotidiano do matrimônio cristão, ele transforma o amor humano natural, carnal, psíquico, no amor-gratuidade, gratuito, espiritual, pneumático, descrito por Paulo como o carisma mais elevado do Espírito Santo e a via mais excelente da vida cristã (1 Cor 13).
Maria e José aceitaram, no amor-gratuidade, a missão de serem mãe e pai (cuidador, protetor, educador) de Jesus. Nesta aceitação, mostraram uma disponibilidade incondicional. O episódio do Evangelho de hoje mostra o cuidado diligente e a disponibilidade incondicional com o qual eles se deixaram incumbir da missão da paternidade e maternidade daquele Menino, em cuja fragilidade se dava e se ocultava, ao mesmo tempo, corporalmente, isto é, realmente, e não só simbolicamente, a plenitude da divindade (Col. 2, 9). No mistério daquele Menino identificavam-se a pergunta humana e a resposta divina. Pergunta e resposta, que nascem da mesma fonte, a Sabedoria divina. Nele, o homem se fazia discípulo e perguntava. Nele, Deus se fazia mestre e respondia. Este Menino não fazia nenhum milagre. Ele era o milagre. Seus pais se admiravam d’Ele. Ele lhes era tão próximo e familiar, mas, ao mesmo tempo, era para eles o incompreensível: humilde sublimidade, sublime humildade, como dizia São Francisco de Assis. Em sua transcendência imanente e imanência transcendente ele escapava-lhes, fugia-lhes do alcance, apesar de que, em sua obediência e piedade filiais, Ele se lhes submetia. Maria e José pressentiam, vislumbravam, algo do Mistério do Menino, que era o Menino do Mistério. Ele se sabia proveniente de outra Origem, que não aquela terrena, familiar, conhecida, e queria permanecer junto, próximo, envolvido pelo Mistério da Origem, que ele evocava, em tom de intimidade pessoal, natural, desde a meninice, com o nome de “Pai”. Maria, discípula, esperava, no entanto, que o que estava em devir, se revelasse com mais clareza com o passar do tempo. Por isso, tentava relacionar o sentido dos acontecimentos que se davam em meio à vida da sua família. José, varão justo, por sua vez, se entregava ao mistério e se deixava guiar por ele, aceitando a incumbência de ser cuidador, protetor, educador do Menino. Tudo isso acontece desde a generosidade fontal do amor-gratuidade que neles tomava corpo e se fazia cuidado maternal e paternal.
Assim como no Natal Jesus se reveste e se sustenta na força da não-força que é a pura gratuidade do amor que é o Pai, a misericórdia, também o homem e a mulher que se unem em matrimônio se entregam nas mãos de Deus, fonte do amor e da vida. E Deus diz sim ao sim recíproco dos que, na coragem do amor, assim estão decididos. Deus se alegra com o júbilo dos esposos. Resolve toma-los como instrumentos de seu querer benevolente para com os humanos. “Deus diz realmente, e com incrível condescendência, sim para vosso sim; mas, enquanto Ele fizer assim criará ao mesmo tempo algo totalmente novo: Ele cria do vosso amor – o santo matrimônio” (D. Bonhoeffer)1.
O matrimônio é mais do que o amor conjugal. Ele é a nova criação da Graça regendo e recriando, dia após dia, o amor conjugal. Nesta nova criação, o casal deixa de mirar apenas à própria felicidade terrena, e passam a ser postos como responsáveis pelos homens, cuidadores deles, na grande família do Pai eterno. O amor do casal se torna, então, uma incumbência, e uma missão, que participa da missão do Filho na encarnação. Obra da graça, não é o amor que sustenta o matrimônio, mas o matrimônio que sustenta o amor conjugal. E Deus se faz fiador do matrimônio. Promete guarda-lo contra todo o poder do mundo, contra toda a tentação, toda a fraqueza humana. Basta que o casal a Ele se confie, deixe-se guiar por Ele, na abertura da obediência da fé, como fizeram, hoje, Maria e José. Assim, o casal cristão pode dizer: “nós não podemos mais ser perdidos um ao outro, nós pertencemos um ao outro pela vontade de Deus até morrer” (idem).
  1. Diferentes na unidade e unidos na diferença
O matrimônio cristão é uma comunhão “no Senhor”, assim expresso pelo Apóstolo Paulo: “Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza”. Este modo de dizer “no Senhor” resume tudo. Homem e mulher são iguais e são diferentes. Há uma igualdade na essência. É o sentido da exclamação de Adão na criação da mulher: “Eis, desta vez, o osso dos meus ossos e a carne da minha carne! Ela se chamará humana, pois do humano foi tirada” (Gn 2, 23). Homem e mulher são, no entanto, diferentes. Porém, sem detrimento desta diferença, são atraídos para a unidade e para a formação de uma identidade no amor: “Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para ligar-se à sua mulher, e se torna uma só carne” (Gn 2, 24). Com esta união, cria-se um lar. Neste lar, estabelece-se, então, a difícil tensão e o difícil equilíbrio da vida. Na dinâmica da vida e da convivência, toda a identidade precisa da diferença para se constituir. Por outro lado, “todo viver para e da vida tem de ser criativo de outras possibilidades de transformar igualdades numa dinâmica de identidade. A identidade não tira. A identidade dá a união das diferenças com a igualdade e vice-versa. Em toda união acontece uma comunidade recíproca de constituição entre igualdade e diferença. Para ser igual a igualdade necessita das diferenças tanto quanto as diferenças necessitam da igualdade para constituírem sua identidade” (E. Carneiro Leão). O amor é o que constitui a unidade dos diversos, a identidade dos diferentes, a igualdade dos desiguais. Mestre Eckhart diz: “Assim, deve ser um o teu amor, pois o amor não quer estar em nenhum lugar a não ser ali onde existe igualdade. Uma mulher e um homem são desiguais; no amor, porém, eles são totalmente iguais. Por isso a Escritura diz muito bem que Deus fez a mulher de uma costela, tirando-a do lado do homem, e não da cabeça ou dos pés” (Sermão 27).
Assim, a mulher é o primeiro outro do homem, mas um outro que é, na essência, o mesmo, isto é, a mesma natureza, a mesma essência: “o osso dos meus ossos e a carne da minha carne”. Assim, homem e mulher se encontram não como simples macho e fêmea, mas como pessoas, no face-a-face. O desafio é que se encontrem o homem humano e a mulher humana, como companheiros na viagem, que é a experiência da vida. Assim caminharam Maria e José, como companheiros, homem humano e mulher humana. A encarnação de Cristo veio nos ensinar isto – a sermos homens humanos e mulheres humanas. “No Senhor”, os cônjuges cristãos têm a graça de serem tais. “No Senhor” a vontade de dominação de um sobre o outro deve se converter na disponibilidade do serviço e do amor. “No Senhor”, para a mulher, servir ao marido não é uma vergonha, mas uma honra. “No Senhor”, para o homem, amar à esposa não é uma fraqueza, mas uma virtude, um vigor do ânimo. A ordem que surge na família que se reúne “no Senhor” não se constitui a partir da reivindicação do poder de dominação. Em Cristo, o poder sofre uma guinada: vira serviço. Por isso, “no Senhor”, marido serve à esposa, pais servem aos filhos, como Cristo , pela Encarnação, assumiu a forma de servo e deu , como lição da última ceia e da cruz, o exemplo do lava-pés. Na Cruz, o Esposo, Cristo, deu a vida à esposa, à Igreja, (nova humanidade). Que nasceu de seu lado ferido pela lança, como nova Eva (Vida) que procede do novo Adão (Humano).Assim, o “como Eu vos amei”, amai-vos uns aos outros” se põe como lei régia do matrimônio e da família que compartilha a vida comum “no Senhor”.
Conclusão
Nesta livre e terna disponibilidade dos cônjuges um para com o outro se consuma o amor terno que faz do lar um lugar de paz, quietude, amor e pureza, onde a felicidade e a bênção têm a sua morada, como o lar de Nazaré, onde o Menino Jesus crescia em sabedoria e em estatura, e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).

1 “Sermão da cela para um casamento”. Em: Resistência e Submissão, p. 39 ss. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Com São Francisco preparando-nos para o Natal


NATAL DO SENHOR

(MISSA DA NOITE)

Pistas para uma Homilia franciscana
Liturgia da Palavra: Is 9, 1-6; Sl 95 (96), 1-2a.2b-3.11-12.13 (R. Lc 2,11); Tt 2, 11-14; Lc 2, 1-14
Tema: Um Menino nos foi dado
Mensagem: Acolhendo o Deus Menino também nós temos a graça de tornar-nos meninos de Deus.
Imagem: Menino Jesus na manjedoura.
Rito: Beijo do Menino Jesus


Introdução: a Festa das festas
Toda vez que nasce uma criança uma nova luz se acende na mente e uma grande alegria nasce no coração dos pais, irmãos, vizinhos e (por que não?) de toda a humanidade. Não é só mais alguém que vem ao mundo. Todos nascem de novo.
Hoje celebramos de novo o Nascimento do nosso Deus feito Menino nascido em Belém. Por isso o salmista convida todos os povos à uma exultação festiva universal, católica, isto é, cósmica e ecumênica: “Alegrem-se os céus, exulte a terra, ressoe o mar e tudo o que ele contém, exultem os campos e quanto neles existe, alegrem-se as árvores das florestas [...] “Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas”.
É a Boa Nova, o “Euangelion”, a alegre Mensagem que os mensageiros celestes, anunciam aos pastores: “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é Cristo Senhor”.
Para uma bela e frutuosa celebração desse mistério sigamos o exemplo de São Francisco que “Celebrava com inefável alegria, mais que todas as outras solenidades, a Natividade do Menino Jesus, afirmando que era a festa das festas, em que Deus, feito um menino pobrezinho, dependeu de peitos humanos” (2C n. 199).
  1. Um filho nos foi doado
O sublime e admirável do Natal, porém, não é apenas o nascimento de Deus, mas o nascimento de Deus no coração, na mente, isto é, no humano mais humano de todo homem não importando as condições (i)morais, (a)éticas, espirituais, céticas ou ateias de quem quer que seja. A única exigência é que sejamos homens de boa vontade, isto é, que nos deixemos mover por aquela centelha, a mais profunda do coração humano: o bem querer. Por isso diz o anjo: Não tenhais medo, eu vos anuncio uma grande alegria que é para todo o povo. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor (v. 11) . Por isso, essa Noite é uma Noite feliz! Noite de Paz! De júbilo! Reconciliação e Misericórdia.
O Natal, portanto, diz respeito a todos os homens e a toda a criação (Cfe. “Laudato Si” do Papa Francisco). Ou seja, a partir dessa iniciativa de Deus, o homem e mesmo as criaturas todas são criadas de novo, agora, a partir do alto, do espírito, da graça misericordiosa de Deus. Pois, Ele se entregou por nós para nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem (Tt 2, 11).
Há algo de inaudito nesse Dia: a criação toda, os homens todos, a exemplo de Maria, engravidam de Deus. Na nova humanidade, que é engendrada hoje, o Verbo prolonga sem fim o ato de seu nascimento e, pela força de sua imersão no seio do mundo [...] toda matéria agora é encarnada... (Teilhard de Chardin). A partir desse mistério dá-se uma revolução universal: Deus não é mais só Deus, mas Deus-humanado e o homem não é mais só homem, mas homem divinizado. Deus se faz Menino para que o homem se torne menino-Deus.
O primogênito de Maria (Lc 2, 7) torna-se também o primogênito de todas as criaturas (Cl 1, 15), isto é, o sentido e o fundamento do ser de toda a criação. Ele é, como dizia o teólogo franciscano João Duns Scotus, o “summum opus Dei” (a suma obra de Deus). Ora, o responsável pela suma obra, pela obra perfeita de Deus, dizia ele, não pode ser o pecado, que é um defeito da criatura, mas só pode ser o amor absolutamente livre e gratuito, superabundante, sem porque nem para quê, de Deus: o mistério da “Cháris”: da graça, quer dizer, do favor livre, imerecido e indevido, da benevolência, da gratuidade e da graciosidade do Deus Amor.
Poderíamos também dizer: o mistério da misericórdia (Tito 3, 5), isto é, do amor visceral, entranhado, de Deus pelos humanos. Por isso, hoje ouvimos a leitura da Epístola de Paulo a Tito, que diz: “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (2, 11). Desde o advento de Jesus Cristo na carne de nossa humanidade, toda a história humana aparece envolvida na história da salvação divina. A sua obra de salvação é obra do amor gratuito e gracioso de Deus pelos homens, fruto da benevolência (cháris) do Pai. Jesus Cristo, o Ungido pelo Espírito Santo, é o “Euangelion”, a Boa Notícia desta benevolência, o rosto da misericórdia (MV), do amor entranhado, visceral, terno e apaixonado, de Deus Pai pelos humanos.
O evangelista diz não apenas que um menino nasceu para nós, mas, também, que um filho nos foi dado. Isso significa que de pouco me adiantaria celebrar o Natal se eu não permitisse que a geração do Menino Deus (o Filho de Deus) em mim fosse se consumando dia após dia.
  1. Um Menino nascido em Belém e deitado numa manjedoura
No Menino de Belém se manifesta a humanidade, quer dizer, a humildade de Deus, que rege, servindo a tudo e a todos. O Deus humanado, o Menino de Belém, assume a nossa carne, e oferece a si mesmo, sim, seu corpo, como pão. Não é à toa que “Belém” quer dizer “casa do pão”. Por isso, ele está reclinado numa manjedoura. Cada homem que o acolhe – que recebe o seu corpo oferecido como pão – se torna “Belém” (casa do pão), dizia Beda, o Venerável. Ele, em sua simplicidade, humildade e pobreza, não aparece revestido de púrpura, mas de panos pobres, para que nós sejamos investidos e revestidos da dignidade de filhos de Deus. Dizia Mestre Eckhart que, se um rei se casa com uma plebeia, toda a sua família se torna nobre. Nós, isto é, toda a família humana, fomos enobrecidos e enriquecidos pela pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Maria enfaixa o seu filho. Ele se deixa “enfaixar”, “atar”, por amor de nós, para nos trazer a verdadeira liberdade. Ele aparece enfaixado como um morto, isto é, ele assumiu a nossa mortalidade, para nos conceder a imortalidade. Maria reclina o seu filho numa manjedoura, numa cocheira, onde se alimentam o burro e o boi. Ele, vindo “inaparente”, no silêncio e na humildade, quase não é reconhecido pelos homens. O boi e o burro reconhecem o seu dono, mas os homens custam a reconhecer o seu Senhor. É que Ele aparece no brilho e no esplendor da pobreza, na finitude e fragilidade de nossa condição humana. Em vez de nascer num berço de ouro e de poder, o Rei do céu e da terra, nasce numa manjedoura, num presépio, dependendo de peitos humanos.
São Francisco ficou enternecido e apaixonado pelo mistério da Pobreza de nosso Deus. O livreto intitulado “Sacrum Commercium” contempla a dignidade dessa Pobreza. A união pessoal do Filho de Deus com a nossa natureza humana é recordada, então, como núpcias de Deus conosco (SC n. 6). A Pobreza é exaltada e homenageada como “esposa fidelíssima de Cristo”, que esteve com ele, do ventre da Virgem Mãe e do Presépio até a Cruz. A “Senhora Pobreza” aparece, então, como o Amor-Misericórdia, que foi “revelado em pessoa no modo de ser de Jesus Cristo, pobre e humilde” (Fontes Franciscanas, Mensageiro de Santo Antônio, p. 869). “Ela é benigna, silenciosa e imensa, como o Céu e a Terra; ela abraça cuidadosa e benignamente a caminhada da passagem íngreme e estreita, cheia de perigos e aventuras, do Encontro de Amor da nossa finitude mortal com o Amor que nos amou primeiro. Amor infinito que se faz finito, recolhido, ocultando-se na gruta da Senhora Pobreza, como o Natal de um Novo Céu e Nova Terra” (Fontes Franciscanas, 869-870).

  1. Um anjo apareceu aos pastores vigilantes
O Natal de Deus é silencioso e sub-reptício. Ele acontece no fundo do coração daqueles que, como os pastores, vigiam na calada da noite. Vigiar, significa estar atento para não se permitir a substituição do Natal do Menino pobrezinho nascido da pobrezinha Virgem Maria (2C199) por tantos outros Natais, muitas vezes inventados apenas para satisfazer uma “espiritualidade” de consumo de “vivências” ou para acalmar a má consciência em face à miséria e à injustiça como o “Natal dos meninos de rua”, o “Natal dos velhinhos esquecidos nos asilos”, o “Natal dos presidiários” o “Natal dos desempregados”, o “Natal do Papai Noel”, o “Natal da família” etc. ou, pior ainda pelos “Natais de comilanças”, etc.
Que São Francisco de Assis seja nosso exemplo. Quando inventou o presépio em Gréccio, tinha em mente deixar que este mistério em sua força nativa, estranha, impregnada de simplicidade, pobreza e humildade, fosse recordado e redespertado nos corações dos próprios cristãos. Foi o que aconteceu. Diz-nos Tomás de Celano: “A noite ficou iluminada como o dia: era um encanto para os homens e para os animais. O povo foi chegando e se alegrou com o mistério renovado em uma alegria toda nova” (1C n. 85).
No entanto, hoje, o próprio presépio tem estado como uma evocação longínqua, embaçada, apagada, arriscando se tornar mais um simulacro do que um sinal, um “sacramento”, com sua força reunificadora. Num mundo dessacralizado, em que o homem perdeu sua vida simbólica, como deixar que se abra aquela fenda no rito para que nos bafeje o sopro sagrado que nos vem de “um Deus humano e Homem divino vindouro que sempre esteve conosco na finitude desprezada de um estranho Deus? ” (Harada)1. Talvez seja preciso redescobrir, no santuário do fundo de nossas almas, o “meio-silêncio”, a “noite-alta”, em que o Filho de Deus quer nascer em nós. Pois, como dizia Orígenes, um dos padres da Igreja, retomado por Mestre Eckhart (Sermão 101): “em que me ajuda que esse nascimento [do Filho de Deus em natureza humana] aconteça sempre, se não acontecer em mim? ”. É como se hoje disséssemos: de que me adianta celebrar o Natal todos os anos, se a geração do Filho de Deus em mim não for se consumando dia após dia?
Conclusão
Se a exemplo de Maria, José e dos pastores estivermos vigilantes e atentos ao silencio do mistério que envolve e sustenta as realidades que nos cercam haverá de acontecer também conosco o milagre que aconteceu no famoso “presépio de Gréccio” inventado por São Francisco.
Multiplicaram-se nesse lugar os favores do Todo-Poderoso, e um homem de virtude teve uma visão admirável. Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê sem vida, que despertou quando o Santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato esquecido em muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança. Quando terminou a vigília solene, todos voltaram contentes para casa (1C 86).



1 Em Comentando I Fioretti, p. 70.   

domingo, 20 de dezembro de 2015

Com São Francisco preparando-nos para o Natal

4º DOMINGO DO ADVENTO
Ano C: São Lucas
Liturgia da Palavra: Miquéias 5, 1-4a.; Salmo 80 (79), 2-3; 15-16; Hebreus 10, 5-10; Lucas 1, 39-45.
18-19;
Tema: Da alegria à exultação
Mensagem: Exultantes de alegria saibamos, também nós doar-nos totalmente Àquele que totalmente se nos dá através de seu Filho gerado no seio da Virgem Maria.
Cena ou imagem: Maria grávida do Filho do Altíssimo pelo Espírito Santo corre depressa para ver outra mãe também milagrosamente engravidada graças à misericórdia de Deus. 

Introdução
Se o domingo passado foi o domingo da alegria, o de hoje poderíamos chamar de “Domingo da exultação”. Exultação é o cume da alegria! É uma alegria que faz saltar o homem! É como se os próprios montes, as florestas, os rios da terra, etc. saltassem e dançassem junto, numa comoção universal de intenso júbilo. Mas, qual o motivo de tanta exultação? O rebentar de um fruto: o fruto do ventre da Virgem Maria, Nosso Senhor Jesus Cristo – aquele fruto que, por sua vez, se transforma na árvore da vida, o Crucificado .
1.     Deus promete um filho
A primeira leitura de hoje, tirada do livro do profeta Miqueias, cujo nome significa “quem é como Deus!”, traz o oráculo acerca do príncipe messiânico. “Príncipe” se pode interpretar como o primeiro, o princípio, que rege toda a vida histórica de um povo. Como o seu contemporâneo Isaías, também Miqueias testemunha a promessa da vitória sobre a decadência da dinastia davídica e a corrupção da cidade de Jerusalém. Mas, como?
O olhar profético de Miquéias se centraliza numa mãe prestes a dar à luz a um filho “vindo de longe, da eternidade” (v. 1), um novo rei, que nascerá em Belém, a mais humilde das cidades de Judá, terra natal de Davi, e que apascentará seu povo “pelo poder do Senhor, pela majestade do Nome do Senhor” (Mq 5,3). Segundo a profecia, seu reinado será universal e se estenderá até os confins da terra, e Jerusalém se tornará o centro deste reinado. O novo filho de Davi, então, será não só um rei de paz, mas ele próprio será “a paz” (Mq 5, 4).
É o mesmo sinal apontado pelo profeta Isaías, contemporâneo de Miqueias: a jovem-virgem está grávida e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel, nome que significa “Deus conosco” (Is 7, 14). A semente de Davi terá dado, então, um fruto de salvação!

2.     Deus realiza a promessa através de Maria
A alegria repleta de consolação prometida no Antigo Testamento, bem como a súplica do salmista “ó Deus, faze-nos voltar, que a tua face se ilumine e seremos salvos” (Sl 80, 4), começa a se realizar no Evangelho de hoje, transformando-se em plenitude de gáudio e de exultação. A face de Deus se ilumina: ele sorri para a humanidade. Um sorriso - o Espírito Santo - que nos faz voltar a ele; o mesmo sorriso que irradia, plenifica Maria, Isabel e João Batista.
Maria, coberta pela sombra mais que luminosa do Espírito Santo, concebeu um fruto divino. Ela está plena do Espírito Santo, por estar grávida de Jesus Cristo. E vice-versa: ela está grávida de Jesus Cristo, por estar plena do Espírito Santo. Iluminada pelo esplendor do Espírito, grávida do Filho do Pai eterno, o Sol Nascente que nos veio visitar, ela é bela como a aurora que sobe (aurora consurgens). Sinal de que o Dia raiou na noite escura da história humana. Quem acolher a sua visita, também se transformará em dia: sua escuridão se iluminará, ficará repleto de Deus.
A vinda apressada de Maria a Isabel adianta o advento de Jesus Cristo a João Batista. Mais que caridade para com a prima o que apressa Maria é o desejo de ver, provar e bem co-responder à graça da maternidade de um filho impossível. A graça, o amor, nunca deixa para amanhã. Sempre tem pressa.
No abraço afetuoso de Maria a Isabel, dá-se o encontro dos dois “impossíveis”. De um lado o Ungido de Deus, gerado não a partir da carne, mas do alto e por outro o Batista, nascido da esterilidade e da velhice, o último porta-voz da humanidade que espera pelo cumprimento das promessas mais antigas de Deus. A voz da saudação de Maria chega aos ouvidos de Isabel e a criança gestada no útero da mãe anciã salta de júbilo, pressentindo a presença do Verbo encarnado escondido no útero da mãe jovem. Os padres da Igreja dizem que João foi santificado por Cristo ainda no útero de Isabel quando a voz de Maria lhe comunicou a presença do Cristo.
A alegria da criança, João, se torna a alegria da mãe, Isabel. Isabel pronuncia, então, palavras de bendição que, repetidas sem cessar em cada “Ave Maria” pelo Povo de Deus, se tornaram também palavras de bendição para toda a humanidade de todos os tempos. Isabel bendiz a Maria, como antes fizera o Anjo do Senhor. Se o Mensageiro dissera: “Ave, isto é, alegra-te, cheia de graça, o Senhor é contigo”, Isabel bendiz a Maria dizendo: “Bendita és tu entre as mulheres”. Por que? Porque “bendito é o fruto do teu ventre”. Um fruto que vem de longe, da eternidade e que por isso Isabel chama de “meu Senhor”.
A partir de então, a primeira Ave Maria, iniciada pelo Anjo e completada, agora, por Isabel, nas montanhas da Galileia, começa a ressoar levando a exultação desse mistério ao coração de todos os cristãos de todos os tempos e lugares.
No “Ofício da Paixão”, São Francisco irá também saudar à Virgem Maria em sua dignidade ímpar: “Santa Virgem Maria, não há entre as mulheres nenhuma nascida no mundo semelhante a ti, filha e serva do altíssimo Rei Pai celestial, mãe do santíssimo Nosso Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo” (Antífona, vv. 1-2).

3.    Hoje e sempre
No ventre de Maria, o Senhor inicia sua oblação que consumirá no altar da Cruz. Pois, segundo o autor da Carta aos Hebreus, ao entrar no mundo, Cristo diz: “Eis-me aqui... Eis que vim para fazer a tua vontade” (Hb 10, 7c.9b). Mas, o que é a vontade de Deus senão puro amor, a pura e eterna misericórdia que se consuma na encarnação e na Cruz?
Hoje, como ontem e sempre, precisamos de uma conversão para a Alegria do Evangelho como nos exorta o Papa Francisco, uma Alegria que enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho da busca desordenada de prazeres superficiais, de consciência isolada (EG 1 e 2).

Conclusão

Desse mistério, isto é, desse Deus que vem ao encontro de seu povo com um sorriso pleno de alegria, gozo e exultação nós “recebemos graça sobre graça” (Jo 1,16). Eis o motivo pelo qual podemos nos alegrar; mais ainda, exultar de alegria, como exultaram João e Isabel. À alegria se junte a gratidão. Que a nobreza da gratidão nos leve, também a nós, a fazer de nossa vida uma oblação. Que nos doemos totalmente Àquele que totalmente se nos dá. Enfim, que sejamos misericordiosos como o Pai é misericordioso (Lema do Ano da Misericórdia).

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Com São Francisco preparando-nos para o Natal

3º domingo do advento

13/12/2015
Ano C: São Lucas
Liturgia da Palavra: Sf 3, 14-18ª; Is 12, 2-6 (refrão: 12,6); Fl 4, 4-7; Lc 3, 10-18
Mensagem: Alegrai-vos sempre no Senhor, eu repito: alegrai-vos (Fl 4,4)
Imagem ou cena: Mais uma vez, as multidões ansiosas vão a João Batista para que lhes diga o que devem fazer a fim de estarem preparadas para a vinda do Messias.
Sentimento: Júbilo porque o Senhor está para chegar
Introdução
O mistério que hoje celebramos vem assim expresso pelo apóstolo Paulo: “Alegrai-vos”. Por isso, o dia de hoje é chamado, também, “Domingo Gaudete”. “Gaudete” é mais do que alegria. É gáudio, júbilo! E a causa sentimento é porque Senhor está próximo. Assim como um dia Ele veio e visitou seu povo, hoje, de novo, neste Avento-Natal virá visitar-nos. Daí a insistência do Apóstolo: Eu repito, alegrai-vos”
  1. Alegria prometida
O segredo da alegria cristã, nasce da visita, ou melhor do encontro. Deus e seus eleitos, os humanos todos, vão se encontrar. Por isso, o júbilo, a festa é recíproca. Por ser nossa o profeta Sofonias proclama: Grita de alegria, filha de Sião, brada aclamações, Israel, rejubila-te, ri com gosto, filha de Jerusalém” (Sf 3, 14). Mas, por ser também de Deus exclama: O Senhor Deus está no meio de ti... ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, como nos dias de festa (4,17-18).
É evidente que o profeta está contemplando o mistério da encarnação. Por isso, quando fala em Sião e Jerusalém podemos e devemos ver e entender tanto a Igreja no seu todo como cada alma contemplativa, amante de Deus.
  1. Alegria realizada
“Jerusalém”, “Sião”, “Igreja”, “alma” contemplativa somos, pois, nós os humanos nascidos da própria presença (parousia) de Deus: o “resto” de seu povo, os pobres e humildes da terra, que, por terem esperado e confiado n’Ele, participamos da restauração de todas as coisas. “O Senhor teu Deus está no meio de ti” – eis o motivo da alegria incontida e exuberante dos pobres e humildes de Deus. Ora, Deus no meio dos humanos, Deus no meio da terra, é o próprio Cristo Jesus – o mistério da encarnação que celebraremos em breve, no Natal do Senhor.
Francisco, homem pobre e humilde, contemplando este mistério em que o Filho de Deus vem surgindo no horizonte de nossas vidas como o Filho do Homem, abrindo-nos assim a porta para transformar-nos em filhos de Deus, não se continha. Comovido chorava e exclamava que devíamos amar muito aquele que muito nos ama. Para ele a Encarnação ultrapassa em Graça e Verdade os limites do Jesus Histórico e transborda para a História de toda a Criação. É a suma obra de Deus, a alegria cósmica, tão bem decantada no famoso “Cântico das Criaturas” perpassado todo ele com esse expressivo refrão “Laudato si, mi Signore”.
O mistério da alegria celeste e universal que Sofonias viu e anunciou como profecia, Paulo o vê e anuncia como obra em curso e consumação. Por isso, aos cristãos de Filipos, e a nós hoje, exorta para que, em vez de inquietar-nos com nada ou por nada (cfr. Fl 4, 6: medén merimnate), apresentemos a Deus os próprios pedidos “com ação de graças” (metà eucharistias). Já que Deus manifestou a sua benevolência (cháris) para conosco, a nossa resposta deve ser sempre a da alegria (chará), a da serenidade e a da gratidão (Cf. A Alegria do Evangelho, do Papa Francisco)
Nesse mesmo sentido, também o Salmo responsorial de hoje, tirado do profeta Isaias, nos convida à “Ação de graças” (eucharistia); que expressemos com ele nossa gratidão ao Senhor pois Sua benevolência vence a Sua ira; que soltemos gritos de alegria e de júbilo pois Ele é grande no meio de nós, o Santo de Israel! (Is 12, 6).
  1. Da alegria do encontro ao desejo de mudar de vida
Como no Domingo passado, também hoje, a figura central do Evangelho recai sobre o último profeta, o batizador João, “o filho da benevolência divina”. Nunca a fala de um profeta foi de tamanha importância e eficácia como essa de João. Suas palavras acerca do Messias que virá para batizar no Espírito Santo e no fogo (16) tocam fundo a mente dos ouvintes a ponto de todos ansiosos perguntarem: Que devemos fazer? (3,10).
É o fruto da palavra divina rebentando no coração dos ouvintes em forma de compunção e conversão. Todos são atingidos e convidados a uma resposta justa, isto é, universal, irrestrita, aberta a e para todas as classes sociais, pois universal será o reinado Daquele que há de vir. Assim, as multidões todas devem iniciar-se no grande princípio da nova humanidade que está para nascer: Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem e quem tiver comida faça o mesmo! (3,11). Já aos cobradores de impostos – considerados pecadores públicos e necessitados de uma nova ética – a resposta de João é: não exijais nada além do que vos foi fixado (Lc 3, 13). Aos militares, guardiães da força do direito, por sua vez, pede para que não abusem desta força e não usem deste serviço de modo corrupto: Não façais violência, nem mal a ninguém, e contentai-vos com o vosso soldo (Lc 3, 14).
Hoje as multidões que perguntam a João “O que devemos fazer?” somos nós, a Igreja, a comunidade, a família, a humanidade toda. Todos necessitamos de um novo encontro pessoal com Jesus Cristo, de uma nova compunção e conversão. A promessa da nova visita do Senhor é para todos que estão no meio do mundo, em sua profissão, no seu ofício através do qual podem e devem empenhar-se de corpo e alma na reconstrução da Igreja e da nossa “Casa comum”, a humanidade e a criação.
  1. João Batista modelo de resposta
A melhor resposta, porém, acerca da pergunta “O que devemos fazer?” se encontra no próprio João Batista.
A alegre expectativa do povo parece mal se conter na impaciência da espera e recai sobre João: “Não seria ele o Messias?” Mas, na resposta de João, além de uma bela expressão de humildade temos também um precioso exemplo de como nós também devemos esperar o Senhor.
Na visão de João, o Messias seria o “Forte”, aquele que, com sua autoridade (exousia) faria expandir o júbilo da nova criação, do novo Céu e da nova Terra entre os humanos todos e o universo inteiro. Se o batismo dele é um banho que purifica com água, o batismo do Messias será um banho que faz imergir o homem no “sopro sagrado”, isto é, no “Espírito Santo” e no seu “fogo”, como acontecerá na entrega da Cruz, no soprar do Ressuscitado sobre os Apóstolos e em Pentecostes (Lc 3, 16).
Frente a Este Senhor que vem, João se vê e se sente como um escravo, ou melhor, menos ainda do que um escravo: “eu não sou digno de desatar-lhe a correia da sandália” (Lc. 16). É que desatar a correia do seu senhor era obra de escravo pagão. Jamais um escravo judeu desataria a correia da sandália de um senhor judeu – tão humilhante era este serviço. Ao dizer isto, portanto, João se põe como o menor, o mínimo dos homens. E toda a sua grandeza está nesta sua humildade. Jesus Cristo dirá, depois, que João é o maior entre os “filhos de mulher” justamente por sua humildade. Somente um “filho de mulher” se tornaria ainda mais humilde do que João: o próprio Cristo, que ele aguardava.
Quem vivenciou profundamente esta lição foi São Francisco de Assis. Ele, que recebera no batismo o nome de João, aprendeu esta lição dele e de Jesus Cristo e, por isso, quis ser de fato e de nome “irmão menor”.
Conclusão
Advento, tempo de espera do Messias prometido. A espera de uma Vinda que vai inaugurar um novo tempo, um novo Reinado de júbilo, festa, gratidão, humildade e paz. As palavras de Paulo hoje nos auguram esta paz, mostrando sua excelência e sua transcendência: E a paz de Deus, que ultrapassa todo o pensamento (nous), guardará os vossos corações e os vossos pensamentos (noémata) em Jesus Cristo (Fl 4, 7). São Boaventura, teólogo que explicitou a experiência mística de Francisco, dizia que esta paz que transcende todo o intelecto e todo o afeto, que ultrapassa homens e anjos, é o próprio Deus.
Que esta paz, então, que é Deus, nos guarde em Cristo Jesus e nos faça jubilosos e gratos, até o nosso encontro definitivo com Ele. Amém.

(Marcos Aurélio Fernandes – Frei Dorvalino Fassini, ofm)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

COM SÃO FRANCISCO PREPAREMO-NOS PARA O SANTO NATAL


2° DOMINGO DO ADVENTO
06/12/2015
ANO C: São Lucas

Liturgia da Palavra: Br 5, 1-9; Sl 126, 1-6; Refrão: 126,3; Fl 1, 4-6; 8-11; Lc 3, 1-6

Mensagem: PREPARAI O CAMINHO DO SENHOR
Imagem (Cena): João Batista, movido pelo Espírito prepara e batiza multidões para o “Dia do Senhor”.
Sentimento: Expectativa (angústia: coração na mão diante do dia “D”).

Introdução:
O mistério que celebramos neste 2° domingo do Advento se resume na preparação da Vinda do Senhor. A segunda vinda de Cristo, anunciada no Antigo Testamento como “Dia do Senhor” é chamada por Paulo como “Dia de Jesus Cristo” (Fl 1,6), ou, simplesmente, de “Dia de Cristo” (1,10). É o dia “d”, o dia decisivo: o dia do juízo, que consuma o reinado de Deus na terra.

I.  Uma Vinda que comove

Todos sabemos como é importante em nossa vida uma boa preparação. Dela depende, muitas vezes, o sucesso de todo um empreendimento que virá. No estudo acadêmico ou na formação cristã e religiosa, por exemplo, o mais importante de todas as etapas é a formação inicial, também chamada de fundamental, básica ou primária.

Toda preparação implica numa parada para ver o anterior. Formado por um “pre” e um “parar”, o verbo “pre+parar” aponta para a necessidade de uma atenção especial que seja capaz de ver e captar um “pré”, um anterior. Há pois, diz a Liturgia deste domingo, uma força originária que precisamos ver, celebrar e acolher.

Na verdade esse anterior é o próprio Filho de Deus que em sua primeira Vinda iniciou em nós e em toda a humanidade uma obra inaudita: transformar-nos de filhos do homem em filhos de Deus como Ele é Filho do Pai do Céu. São Paulo, além de falar com muita ternura, alegria e gratidão desse mistério, testemunha que Aquele que começou em vós essa boa obra haverá de levá-la à perfeição até o dia de Jesus Cristo (V. 6). Essa deve ser, pois nossa fé, nossa esperança.

A consumação da obra do Evangelho em nós, porém, se dá pela caridade superfluente, superabundante. Movido por essa obra, iniciada pela Vinda de Cristo, Paulo, ama os cristãos de Filipos com um amor entranhado: ele os preza “nas entranhas de Cristo”. Um amor que supera toda a medida; um “amor que superabunde (perisseue) mais e mais, em conhecimento (epignosis) e em toda a percepção (aisthesis), para discernir o que melhor convém” (Fl 1, 9-10a).
Trata-se, portanto, de um amor-doação nascido do alto e sustentado pela iluminação e pelo fervor da graça da visita do Senhor. Vivendo assim, na dinâmica da superabundância do amor esclarecido, o cristão se prepara para o novo “Dia de Cristo”: “Assim sereis puros e irrepreensíveis para o Dia de Cristo, cumulados do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus” (Fl 1, 10b-11).

II. João Batista o precursor

A Liturgia de hoje centraliza-se na figura de João Batista, filho do sacerdote Zacarias, conhecido como o Precursor do Messias. Batista, porém, em vez de exercer seu sacerdócio no Templo, segundo os rituais da Lei e como era de seu direito, movido pelo Espírito, foi para o deserto a fim de dar início à preparação de um novo Povo de Deus, de uma nova religião, de um novo culto, de uma nova prática religiosa nascidos do alto e não dos homens.

Precursor é aquele que corre à frente abrindo e preparando caminhos para outros que vem atrás. Lucas situa a vocação profética de João num quadro histórico bem concreto, marcado por uma profunda crise ou decadência tanto por parte das autoridades políticas do Império Romano como religiosas de Israel. A intenção do evangelista é muito clara: mostrar que o reinado de Deus é novo e universal. O novo Reino ou Povo de Deus será para todos os seres humanos, de todos os povos, puros ou impuros, judeus ou pagãos. João foi chamado para ser o profeta, o anunciador e preparador dessa nova humanidade.

Profeta é um homem que está sob o Espírito de Deus. Por isso, Lucas diz: “aconteceu que a palavra de Deus esteve sobre João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). Aquele que é assim tomado por Deus sofre uma guinada no curso de sua vida. Ele não vive e nem fala mais a partir de si, mas a partir do Espírito e da Palavra de Deus. Por ser inflamada pelo fogo do Espírito essa fala é apaixonante e clarificadora. Uma fala que anuncia o Reinado do Deus que vem e que, ao mesmo tempo, faz notar o que é preciso para receber este Reinado, e como preparar os caminhos para este advento.

III. Uma voz cuja Palavra ressoa até hoje 

Santo Agostinho dizia que João era a voz, mas Jesus, a Palavra. A voz está a serviço da palavra. Ela é um veículo que faz chegar a palavra aos ouvidos e ao coração daqueles que escutam. A palavra que veio sobre João no silêncio do deserto ressoa nas cidades como um anúncio e um clamor. João é um mensageiro que proclama o anúncio da vinda do Rei. No anúncio de João ressoava a conclamação ao “batismo de conversão”. Os homens deveriam vir para receber um banho purificador, que celebrava gestualmente, a disposição da conversão. A palavra grega, traduzida por conversão, é “metánoia”. João é aquele que conclama para a “metánoia”: a reviravolta, a guinada, no pensamento (nous). Esta guinada no modo de pensar, esta revolução no pensamento, é, pois, a condição fundamental para receber o advento do Reinado de Deus. Hoje também nós somos atingidos por esta conclamação. Com ela, nos vem também a comunicação de uma alegria: com o advento do Reinado de Deus nos é concedido – por gratuidade – o “perdão dos pecados”. É o acontecer da reconciliação com Deus.

Algo da alegria desta reconciliação com Deus ressoa tanto na pregação de João, calcada sobre a pregação de Isaías, quanto nas palavras do profeta Baruc. Aqui a conversão aparece como um retorno para Deus. Este retorno é, ele mesmo, obra de Deus nas vidas dos homens. É Deus que os faz retornar a Ele mesmo, desde que encontre neles a devida disposição de conversão. É Deus que eleva o ânimo dos que estão caídos. É Deus que rebaixa o ânimo dos que se exaltaram por sua soberba. Uma vez que os caminhos tortuosos se tornam retos e os caminhos ásperos se tornam planos, todos os seres podem ver a salvação de Deus.

Ele rebaixa as montanhas e as dunas, ele enche os vales e nivela a terra, manda as árvores crescer e fazer sombra, faz tudo, para que o seu povo possa avançar com passo seguro para dentro de sua glória, da glória de Deus. “Pois Deus guiará Israel, na alegria, à luz de sua glória, acompanhado da misericórdia e da justiça que lhe pertencem” (Br 5, 9). Esta mesma alegria do retorno para Deus vem assim decantada pelo salmista desta Missa: Entre os gentios se dizia: “Maravilhas fez com eles o Senhor!” Sim, maravilhas fez conosco o senhor!

Conclusão
Este é o momento para dizer a Jesus Cristo: “Senhor, deixei-me enganar. De mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente, para renovar minha aliança convosco. Preciso de vós. Resgatai-me de novo, Senhor. Aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores” (Papa Francisco em EG 3)

OFS participa de Missa da Novena de Nossa Senhora das Graças, em Portão/RS.



Dia 28 de novembro de 2015 foi o oitavo dia da Novena em honra à Padroeira Nossa Senhora das Graças de Portão. A Liturgia foi organizada pelo Grupo Vaso Novo e Fazendas Terapêuticas Santo Expedito e Santa Rita de Cássia. A missa foi presidida pelo Frei Dorvalino Fassini e contou com a presença de alguns membros da OFS Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula.
Veja algumas imagens...













quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Pistas para meditar e viver o Advento




I DOMINGO DO ADVENTO
29/11/2015
Ano C

Liturgia da Palavra: Jr 33, 14-16; Sl 25, 4-5; 8-10; 14 (Resposta: 25, 1b); 1Ts 3, 12 – 4,2;
Lc 21, 25-28; 34-36


NO SENHOR QUE VEIO E QUE VIRÁ COMEÇAR TUDO E SEMPRE DE NOVO

          Este primeiro domingo do advento abre o ciclo do ano litúrgico. As leituras nos ensinam como devemos viver o tempo da vida que nos foi dado com a mente voltada para o fim, isto é, para a consumação definitiva do reino de Deus na história dos homens, que se dá na de “Parousía” de nosso Senhor Jesus Cristo (1 Ts 3, 13).
          Esta palavra grega, “Parousía”, foi traduzida para o latim como “adventus”, que quer dizer “ato de chegar”, “chegada”, “vinda”. Para o Novo Testamento, a “Parousía” significa a reaparição e o retorno de Cristo “na plenitude do poder e da glória” (Lc 21, 27). Retorno, pois, Jesus Cristo já apareceu e já veio uma vez pelo seu nascimento humilde na carne de nossa humanidade – mistério que celebraremos em breve na solenidade da Natividade do Senhor, o Natal.
          A primeira leitura de Hoje já nos dá um primeiro vislumbre deste mistério, ao reportar a leitura do profeta Jeremias, em que se dá a promessa de Deus de fazer brotar na descendência de Davi “um rebento legítimo que defenderá o direito e a justiça”. Os profetas nos mostram que o Reino de Deus penetra sempre mais a fundo no homem e no mundo, transformando-os até a sua realidade mais íntima e elevando tudo aquilo que é terreno e transitório ao nível da salvação divina que abarca não somente o ser humano, mas todo o universo, a criação toda, nossa Casa comum e, por fim, garantindo a suprema harmonia entre céu e terra, o homem e Deus.
          No mesmo sentido da profecia de Jeremias, Isaías, personagem importante na liturgia deste advento, nos falará da “rama” que brota da “cepa de Jessé” (Is 11, 1-2). O Cristo é o que consuma o reinado de Deus, que é o reinado do direito e da justiça, pois, na sua regência tudo se ergue com retidão e todas as coisas são conduzidas para a sua justeza e harmonia definitivas. O Cristo é também chamado por Isaías de “fruto da terra” e de “Germe” (Is 4, 2), nos remetendo para o mistério da encarnação, em que o Filho de Deus germina da terra, isto é, de nossa humanidade, inaugurando o reinado da justiça que se consumará, por sua vez, na “Parousía”.  
          A pergunta, porém, que se nos impõe neste domingo, frente à promessa da consumação do reinado de Deus na encarnação e na “Parousía” definitiva de Cristo é: como devemos, enquanto cristãos, viver o tempo de nossa vida, a partir do nosso relacionamento com Nosso Senhor Jesus Cristo? Que atitudes nós devemos cultivar neste relacionamento? Podemos responder:  as atitudes que devemos cultivar são a fé, a esperança e o amor-caridade-doação.  
          O nosso relacionamento fundamental com Cristo chama-se fé. A fé é um modo de realizar a vida. Fé é mais do que crença, ou seja, é mais do que ter algo por verdadeiro. Também é mais do que uma pura e simples confiança. Fé é um modo de caminhar na vida e agradar a Deus (1 Ts 4, 1). Por isto, para nós, cristãos, não basta simplesmente crer que Cristo, no fim dos tempos, virá do céu para “julgar os vivos e os mortos”. É preciso que esta fé se transforme em um esperar Cristo e amar Cristo, um amor que se concretiza no amor aos homens. Decisivo, na nossa vida, é a esperança em Cristo. O cristão é um homem que tem esperança e sua esperança está ancorada em Cristo. A esperança, por sua vez, se desdobra em várias outras atitudes.
          Ter esperança, para o cristão, não é meramente nutrir expectativas, mas é um esperar crente, serviçal, alegre, vigilante, amante e paciente na aflição. Uma atitude fundamental da esperança cristã é a vigilância. O evangelho de hoje chama a atenção para a vigilância em relação ao próprio coração: “ficai de sobreaviso para que os vossos corações não fiquem pesados pela embriaguez, pelas orgias e pelas preocupações da vida e que esse dia não caia sobre vós de modo imprevisto como uma armadilha” (Lc 21, 34). Justamente por manter-se sóbrio e vigilante na espera da vinda inesperada de Cristo é que o cristão não vive o seu tempo apoiado em expectativas sobre as coisas penúltimas e sobre as suas seguranças, esquecido das coisas últimas e definitivas. Pelo contrário, ele vive desprendido destas expectativas, ancorado apenas naquilo que dá o sentido definitivo de sua vida: o encontro com Cristo. À vigilância há que se acrescentar a oração incessante. É preciso que vigiemos e que rezemos a todo o momento, nos assinala o evangelho de hoje (Lc 21, 36). Quem vive assim, na fé e na esperança em Cristo, não deve temer os apertos, as precisões, as tribulações, nem os abalos e as perplexidades da história, nem mesmo os mais extremos (Lc 21, 25-26). Pois, quem assim vive, ficará de pé “diante do Filho do Homem” no momento do juízo definitivo sobre a história e as vidas de todos os homens (cfr. Lc 21, 36).
          A esperança cristã, porém, se consuma no amor. Paulo, na segunda leitura de hoje, diz: “Que o Senhor faça crescer e superabundar o amor” (1 Ts 3, 12). Esta “superabundância do amor” é o cerne do Sermão da Montanha, o discurso em que está resumido o essencial do viver cristão (Mt 5-7). A fé, a esperança e o amor superabundante fortalecem o coração do homem em face de Deus Pai e o prepara para o Advento glorioso de Cristo. Coloquemos hoje e sempre, no Senhor, a nossa confiança, como nos ensina o salmista no salmo de hoje (Sl 24/25). Digamos a ele: “faze-me conhecer os teus caminhos, Senhor; ensina-me tuas veredas. Faze-me caminhar para a tua verdade e ensina-me, és o Deus que me salva. Eu te espero o dia inteiro” (v. 4-5). Se confiarmo-nos ao Senhor ele também se confiará a nós, conforme nos diz ainda o salmo que recitamos hoje: “O Senhor se confia àqueles que o temem, dando-lhes a conhecer a sua aliança” (v. 14). Que possamos, pois, com a confiança que vem da fé, da esperança e do amor, caminhar nos caminhos do senhor, diante dele em “santidade irrepreensível”, como disse o Apóstolo Paulo (1 Ts 3, 13). Para que possamos isso, que o Senhor mesmo nos ajude. Amém.

(Marcos Fernandes)

domingo, 8 de novembro de 2015


Nossos irmãos e irmãs do Grupo de São Francisco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, de Portão, celebraram domingo último, dia 25/10, o 6° aniversário do Centro terapêutico Santa Rita de Cássia.
Entre os diversos eventos foi celebrada uma Missa presidida por Frei Dorvalino Fassini, assistido por Henrique Bischop e sua namorada Ana Paula.

Nas fotos membros do Grupo de São Francisco com os 25 pacientes daquele Centro, Frei Dorvalino, o Henrique a Ana Paula


sábado, 24 de outubro de 2015

Laudato Si

Laudato Si
Re-percutindo

Entre as inúmeras considerações que se podem fazer acerca do mais recente, franciscano e ousado documento do atual papa cabe também essa.
A maravilhosa obra da criação nos leva a especular também acerca da intenção do Criador: seu ardente desejo de criar alguém semelhante à sua ordem e natureza, alguém com o qual pudesse se encontrar, enfim, um companheiro, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, com o qual pudesse repartir e comungar o pão de seus afetos, de sua alegria, de seu amor, de sua vida.
Assim, para o amor de seu coração, de sua vida – o homem -  Deus preparou um paraíso. Isso acerca da primeira criação.
Maior, porém deve ser nosso espanto e encantamento se olharmos como Deus dispôs a segunda criação. Se na primeira Deus fez o homem do barro, da terra, de baixo, tendo de atear sobre ele o hálito do seu Espírito a fim de que se tornasse um vivente, na segunda criou-o do seu próprio espírito, do alto, do céu. Se na primeira o homem era apenas do húmus, da terra, agora ele é também do céu, divino, portador da alma de seu Filho Unigênito. Se antes Deus habitava apenas o céu, agora mora também na Terra, no homem; se antes Ele era só Deus agora Ele é também homem. Se na primeira o homem habitava apenas a Terra e era apenas da Terra, agora habita também o Céu e é do Céu, participando da intimidade da família divina, trinitária.
Nunca houve algo tão inaudito: um Deus que não é apenas Deus, mas um Deus humanado e um homem que não é apenas homem, mas um homem divinizado. Diante de tão admirável e magnífico espetáculo Francisco não conseguia parar de exclamar:

Laudato si, mi Signore!
Per messor lo frate huomo
Et ellu é belu e radiante cun grande splendore,
De te, altíssimo, porta significazione!!! (CSol)

Frei Dorvalino Fassini,ofm

domingo, 31 de maio de 2015

Santíssima Trindade

Frei Dorvelino Fassini, OFM

Batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo

Introdução

Vitral SS. Trindade (1990),  Igreja S. Lourenço
(Edelschrott, Steiermark, Áustria)
Terminado o Tempo da Páscoa começa o Tempo Comum: o Tempo da Igreja e sua missão de evangelizar e levar à plenitude o Reino de Deus inaugurado por Cristo. Por isso, hoje, primeiro Domingo desse Tempo, a Liturgia nos mergulha para dentro do princípio e da raiz da qual brota toda a nossa Fé, vida e missão: o glorioso e insondável mistério da SS. Trindade.

1 Um fim que é também um novo começo

Por isso, a Liturgia, hoje, apresenta não apenas a última página do Evangelho de Mateus, mas também, o Resumo, o tudo que um evangelizador deve levar e testemunhar em sua vida.

A nova e última teofania se dá no monte indicado por Jesus. Como não ver aqui a memória da última e grande Teofania acontecida no Gólgota, o monte sobre o qual houve a crucificação de Deus e a revelação do quanto Deus foi misericordioso para conosco?! (Ant. da Entrada)

Por isso a primeira coisa que os discípulos fazem é prostrar-se por terra diante do seu Senhor e Mestre! Que contraste com o que fizeram na Sexta-feira santa quando amedrontados fugiram negando seu discipulado! Agora não duvidam mais. São homens de fé! Agora Jesus pode confiar-lhes todo seu projeto, toda a sua autoridade e missão: Anunciar que todos os homens de todos povos devem formar um único e grande Povo de batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo! Batizados, inseridos, mergulhados, enraizados em sua fonte mais profunda e radical: a SS. Trindade.

2 A SS. Trindade mais que um dogma um desafio de vida

A SS. Trindade é, certamente, o mistério, o dogma (“Ensinamento”, “Verdade”) que sempre mais encantou e, ao mesmo tempo, desafiou a mente dos teólogos e estudiosos do Cristianismo. Como pode Deus ser Um só e ao mesmo tempo Três Pessoas? O desafio, porém não está apenas no fato de ser um dogma ou doutrina, mas em fazermos desse mistério, o princípio, a fonte de toda nossa vida. Desafio para, a seu exemplo, embora muitos e diferentes, formarmos, também nós uma única e grande comunhão. Daí a contínua memória que nós cristãos fazemos desse mistério como no Sinal da Cruz, no “Glória ao Pai...”, no “Creio em Deus Pai... creio em Jesus Cristo e creio no Espírito santo...” das grandes Festas, etc.

3 Três Pessoas e uma profunda Comungação

A primeira coisa que Jesus revela acerca desse mistério é que são Três pessoas vivendo em profunda e apaixonante comungação, como se pode ver nas famosas teofanias do Batismo de Jesus e na sua Transfiguração no monte Tabor: um Pai apaixonado pelo seu Filho e um Filho tão apaixonado pelo Pai que por Ele e pelos filhos Dele vai até a morte e morte de Cruz; e, ao mesmo tempo, uma terceira Pessoa, que de tão humilde, a modo de mãe, quase nem aparece, mas que lá está, marcando sua presença, a modo de Amor, fazendo a união e a comungação entre todos os diferentes.

Nosso Deus não é, portanto, um deus monolítico, condenado a viver eternamente na triste solidão de uma vida ensimesmada, fria, egoísta e egocêntrica. Por isso, essas Três Pessoas, Pai e Filho e Espírito Santo, estão sempre “em saída”, uma para a outra em contínua e mútua doação (circumincessão). O que uma quer ou faz a outra também quer ou faz. Depois, também as Três, em conjunto, estão sempre “em saída”, isto é, contínua doação de si mesmas em favor do “mundo externo”, as criaturas. Por isso, se diz que nosso Deus tem o modo de ser da fonte, ou melhor, é a própria Fonte de tudo e de todos.

4 Marcados e batizados com e por esse mistério

Com a cena do Evangelho de hoje Jesus conclui a nova Criação do mundo e do homem, devolvendo-os à sua Paternidade originária, perdida por Adão. Os homens não precisam mais zanzar às cegas, pra cá e pra lá, sem eira e nem beira, sem princípio e sem fim, porque agora podem ver, acolher e viver a partir de dentro de sua verdadeira origem: a grande Comunidade da Trindade santíssima.

Por isso, marcado por esse mistério, o cristão é aquele que é capaz de perceber e testemunhar em cada criatura, desde a mais insignificante, passando pelo homem, até a mais elevada no céu, a presença dessa marca da Trindade santa. Isso equivale dizer que cada criatura tem, carrega em si o modo de ser desse mistério. O modo de ser do Pai que cria e cuida; o modo de ser do Filho que obedece, escuta e acolhe; o modo de ser do Espírito Santo que, através de seu amor aproxima, une, congrega os diferentes.

É só abrir os olhos e veremos esse mistério pulsando em nossa irmã a mãe terra, na irmã água, mas principalmente em nossos irmãos mais próximos, os homens e entre esses os mais pobres e fragilizados. Sim, em cada criatura veremos um “quê” do Pai que cuida, toma providências, um “quê” do Filho que escuta e obedece e um, “quê” do Espírito Santo que aproxima e une.

Não é à toa que Francisco começa e termina muitos de seus Escritos em nome da Trindade santa e frei Egídio traçando o sinal da Cruz sobre as nozes que colhia. Eis também, porque, a tradição cristã, nos educa a, desde crianças, iniciar e terminar nossas refeições, orações e trabalhos Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Se é assim, uma espécie de calafrio, ou melhor um susto misturado de alegria atravessa nossa espinha dorsal: será que, por falarmos e rezarmos tanto “Em nome do Pai e do Filho...”, não estamos caindo fora dessa realidade absolutamente imediata, própria e direta de nossa existência, da existência de todas as criaturas e acontecimentos, a realidade que é o coração e a fonte de tudo e de todos? Uma realidade diante da qual não nos resta senão fazer como os Onze discípulos no Evangelho de hoje, no alto do monte, ajoelhar-nos em profunda adoração exclamando: Meus Senhor e meu Deus. Ou como São Francisco: Meus Deus e Tudo.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Pentecostes: Sopro

Frei Dorvalino Fassini, OFM

PENTECOSTES (Jo 20,19-23)
O ESPÍRITO DO SENHOR ENCHEU O UNIVERSO INTEIRO (Sb 1,7)
Jesus soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’.

Introdução

Antes de um fato, Pentecostes é a consumação e a culminância do mistério da Cruz que, por sua vez, é a consumação, a culminância de uma grande História cujo coração é o desejo, a paixão de Deus de conhecer, viver e comungar nosso humano. Como processo de amor essa História é longa e recheada de tentativas e insinuações chamadas de “visitas”, “descidas”, “vindas”, “sopros”, inspirações ou “pousos” do Espírito de Deus, o Espírito Santo.

1 Sopro Divino

Ao iniciar falando que essa última Vinda acontece em forma de sopro e na tarde do mesmo dia que era o primeiro da semana... o evangelista João tem a clara intenção de dizer que estamos diante de uma nova criação. Nova porque se contrapõe à velha iniciada com Adão. Se lá Deus soprou sobre o barro do qual nasceu o homem, agora o sopro foi sobre o homem que se torna divino.

O simbolismo do sopro, ar ou vento é muito rico! Sempre aponta para o princípio vital do homem. Sem ar o homem não vive. Quando deixa de respirar, morre. O mesmo vale para o homem espiritual: sem o sopro de Deus – o Espírito Santo - o homem é apenas filho do homem, jamais filho de Deus, comuugante da vida divina.

2 Último sopro, última Vinda

Na verdade, a plenitude de todas as vindas ou sopros de Deus deu-se na Cruz. Aquele momento de doação total, absoluta e radical, que Jesus faz de si mesmo, de toda a sua vida ao Pai, em favor dos homens, irrompeu universo afora num grande Sopro ou vento divino.

Jesus é a boca pela qual o sopro definitivo do Pai, em forma de vento impetuoso, de um novo ar que, a partir da Encarnação e da Cruz, começa a invadir tudo, criando um novo Mundo, uma nova Terra e um novo Céu! Até os mortos ressuscitam! Símbolo desse Sopro são os braços abertos de Cristo na Cruz que, em nome do Pai, vão abraçando todos os homens e todas as criaturas. O último suspiro de Cristo é o término, o fim de todas as inspirações ou sopros de Deus. Por isso, esperar ou querer outro Sopro seria esquecer e ofender tudo o que Deus já realizou em definitivo.

3 50 dias depois

O que se celebra nesse dia (O 50º dia da Páscoa) é a manifestação pública e solene desse mistério. Ou melhor, depois de cinquenta dias de padecimento, angústia, meditação, reflexão e oração, os discípulos, orientados pela nova Mãe, Maria, tiveram a mente invadida pelos ares benéficos daquele sopro penetrante e transformador da Cruz. Assim, Cruz, em vez de derrota, vergonha, morte começa a ser compreendida como o princípio, a introdução de um novo hálito, um novo ar ou espírito no mundo, no homem, inaugurando, assim um novo Céu e uma nova Terra. O  DO SEESPÍRITONHOR ENCHEU O UNIVERSO INTEIRO!

Como é grande, generoso o ar que nos rodeia e respiramos! Nunca se cansa de servir a todos, sem distinção, sem medida. E no entanto, ninguém o vê, nota ou percebe. Se assim é o ar da nossa atmosfera, o que dizer do Ar, do Espírito que é Deus.

Por isso, São Paulo exclamava exultante de júbilo: “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o ESPÍRITO SANTO habita em vós” (1Cor 316); “Não sabeis que vosso corpo é o templo do ES que habita em vós...” (1Cor, 6,19) e que “nós por nós mesmos nem somos capazes de rezar, de fazer o bem, nem mesmo de dizer “maldito seja Jesus” (1 Cor 12,3)?

Hoje, uma das mais recentes e belas manifestações do Espírito Santo é o Vaticano II- o novo Pentecostes - convocado pelo Papa João XXIII, o Santo da docilidade ao Espírito. Por isso o Papa Francisco, concluindo sua Exortação Apostólica EG, nos convoca para que sejamos evangelizadores com Espírito, pois do contrário seremos evangelizadores sem alma (EG 259 ss).

Conclusão

Sopro, muitas vezes é traduzido por inspiração. Inspiração significa, literalmente, soprar para dentro, respiração boca à boca. Pentecostes é para dizer que Deus soprou para dentro de cada um de nós, boca a boca, o ar, o hálito de sua própria Pessoa. E assim, a partir de então, o meu sopro vital em vez de seguir seu fluxo segue o fluxo, o ritmo da respiração de Deus: filhos queridos do Pai do Céu.

Como, pois, aprender a viver ou melhor a respirar desse Ar em tudo o que fazemos ou vivemos? Como, também, em tudo o que fazemos ou vivemos expirar e transpirar esse Ar? Eis nossa vocação e missão, depois que Cristo subiu ao Céu e nos enviou dom Pai seu Espírito.

Por isso, São Francisco dizia que o verdadeiro Ministro geral da Ordem é o Espírito Santo e que todos os Capítulos gerais deviam ser feitos na Festa de Pentecostes. E que nós devemos estar sempre atentos ao Espírito do Senhor e seu santo modo de operar.

A rosa é sem por que
Floresce por florescer
Não olha para si mesma
Não pergunta se alguém a vê.

Silesius