quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Pistas para homilia


 3º Domingo da quaresma

28/02/2016
Pistas homiléticas
Liturgia da Palavra: Ex 3, 1-8a. 13-15; Sl 102 (103); 1Cor 10, 1-6. 10-12; Lc 13, 1-9
Tema-mensagem: Chamados a uma conversão contrita e frutuosa
Imagem-cena: Moisés diante da sarça ardente
Sentimento: Dor e sofrimento porque não amamos aquele que muito nos amou.

Introdução:
Neste 3º domingo da Quaresma celebramos, de novo, um dos mais expressivos e queridos mistérios da Quaresma e da vida cristã: a graça da conversão. Mas, hoje, com um colorido próprio: uma conversão contrita a frutuosa. Para isto precisamos contemplar com Moisés a manifestação do Deus de nossos pais no misterioso fogo da sarça ardente e a parábola da figueira improdutiva, inútil.
  1. Um Deus cujo nome é misericórdia
Diante de um encontro tão inaudito com o Deus dos seus patriarcas – Moisés, experimenta aquele misto de temor e de fascínio que avassala todo homem que se encontra com o Deus vivo e verdadeiro: “mysterium tremendum” (mistério que aterroriza) e, ao mesmo tempo, “mysterium fascinans” (mistério que fascina)1. De um lado temor e por isso desejo de afastar-se; por outro lado o fascínio de um Deus “adveniente”, próximo, familiar e convidativo, leva Moisés e todo fiel ao anseio da aproximação, da intimidade. Há uma advertência, porém. É preciso “tirar as sandálias”, isto é, “não botar as mãos”, não querer se apossar, se adonar do mistério. É preciso deixar-ser o mistério enquanto mistério: mistério de gratuidade, mistério de amor, mistério de um “outro” que se nos torna íntimo, mas que, sempre de novo, se nos escapa, na sua transcendência, sempre um “outro”.
Se no primeiro caso o homem percorre o caminho da morte, deixar ser o mistério enquanto mistério é sua vida. Somente seguindo esta exigência de entrar na esfera do encontro seguindo o “ductus”, a condução, da gratuidade, que deixa-ser o mistério enquanto mistério, é que o homem pode encontrar-se com o Deus dos seus (nossos) Pais: de Abraão, de Isaac e de Jacó.
Por isso, nenhum predicado jamais diz Deus. Deus está acima de toda afirmação e de toda a negação: Deus é o inominável. Seu nome é inefável. Por isso, depois, os judeus em vez do tetragrama (YHWH) passaram a falar Adonai, isto é, Senhor (Kyrios, em grego)2. Agostinho, comentando esta passagem, notava que havia ali um duplo nome de Deus. O primeiro é o nome da eternidade – “eu sou quem sou” – que acena para Deus como o ser originário, o ser mesmo (ipsum esse), isto é, para o ser imutável de Deus, o seu puro ser, que nada tem de não-ser. O segundo é o nome da misericórdia – Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó – o Deus que quer ficar próximo dos homens.
Mais tarde, quando Moisés suplica a Deus para ver a sua face, Iahweh lhe responde: “Farei passar sobre ti todos os meus benefícios e proclamarei diante de ti o nome de “Senhor” (Jahweh) ”. E acrescenta o sentido deste nome: “Concedo minha benevolência a quem concedo benevolência e faço misericórdia a quem faço misericórdia”. Podemos arriscar uma interpretação a modo de paráfrase: meu ser é meu atuar e meu atuar é amor: benevolência e misericórdia gratuitas, benevolência e misericórdia para valer. Em seguida, depois que Moisés proclama o nome de “Jahweh”, o Senhor passa diante dele, proclamando: “O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso e benevolente, lento para a cólera, cheio de fidelidade e lealdade (...)” (Ex. 34, 6).
Também o salmo de hoje faz ressoar a mensagem da misericórdia: “O Senhor é clemente e cheio de compaixão”
  1. Mais um prazo para a figueira improdutiva e inútil
Se, de um lado, “Eterna é a misericórdia do Senhor”, se “sua misericórdia permanece de geração em geração”, por outro lado o prazo para o homem aceitar esta graça e deixá-la atuar em sua vida com toda a sua fecundidade, produzindo dignos frutos de penitência (conversão do coração) é limitado. Daí a urgência que domina o momento presente para aquele que ouve o anúncio do Evangelho de Cristo. Esta urgência põe o homem diante de uma decisão, isto é, põe o homem no meio da crise, da cisão, de uma alternativa: ou isto – ou aquilo. Ou converter-se ou deixar-se perecer.
A Jesus, no Evangelho de hoje, são anunciados dois acontecimentos dramáticos recentes. Um retrata a repressão violenta e sangrenta de um movimento de galileus rebeldes por parte de Pilatos. O outro diz respeito a um acidente: a queda da torre de Siloé, que matou dezoito pessoas. A interpretação daqueles “jornalistas” não podia ser mais maldosa, perversa, endurecida e cruel: estas pessoas que morreram assim, por violência e por acidente, eram pecadoras, e foram, por meio destes acontecimentos, castigadas por Deus. Eles, porém, escaparam da ruina porque eram justos.
Jesus adverte-os para não fazerem tal discriminação: os outros – pecadores; nós – justos. Todos são pecadores e todos precisam tomar a sério o tempo de vida que ainda têm como um prazo – o último – para se converterem de todo o coração. A mesma mensagem está implícita na estória da figueira plantada no meio da vinha. Para Agostinho, esta figueira é toda a humanidade. Desde que Adão e Eva se cobriram com folha de figueira, todos são pecadores. Mas, em todos os tempos, antes da Lei, sob a Lei, e depois da Lei, isto é, na era do Evangelho da graça, Deus concede aos homens o tempo “oportuno”, como um prazo para produzir frutos de penitência (de transformação do coração, de revolução do pensamento, de mudança de vida, de retorno para Deus).
Segundo Gregório Magno o homem que não dá frutos de boas obras (obras de justiça e de misericórdia) é semelhante à figueira do Evangelho. Neste caso ele ocupa a terra como uma árvore infrutuosa, morta. No homem pior que o perecimento físico-biológico é o perecimento de sua criatividade, de sua liberdade criativa consigo mesmo, com a própria terra e a Casa de todos. O homem pode continuar existindo sobre a terra, e, ao mesmo tempo, aniquilar a humanidade em si, tornando-se cada vez mais o homem desumano, o homem inumano. O Evangelho, porém, é anúncio da possibilidade da salvação, e, com isso, anúncio da possibilidade do homem humano e mais que humano.
“Jesus”, cujo nome significa “Jahweh salva”, é o homem humano, a árvore boa, frutífera, que revela e abre a todos os homens, de todos os povos e gerações, o caminho para virem a ser aquilo que eles, essencialmente, podem ser, isto é, virem a ser homens humanos.
  1. A contrição adubo da conversão contínua
Os padres da Igreja explicavam que cavar ao redor da figueira queria dizer a contrição, que desfaz a rigidez e a dureza do coração, do homem que acha que não precisa de misericórdia; e que o esterco que se lança ao redor da figueira é a humildade. O esterco é o que há de mais vil e desprezível. Mas quando o homem o atribui a si mesmo – e não aos outros – então este reconhecimento do mal radical em si mesmo acaba se tornando um bem e um grande bem para o homem. É o começo de sua conversão. A figueira começa a dar frutos.
Também Paulo na 2ª leitura chama a atenção dos cristãos de Corinto, para que não se deixem perder pela presunção de serem os ‘justos’, os ‘bons’. O ser batizado em Cristo, o comungar com ele comendo de uma comida espiritual e bebendo de uma bebida espiritual, não é garantia contra o perecimento. Os hebreus que andaram pelo deserto, seguindo Moisés, não foram, também eles batizado (na nuvem, no mar)? Não tiveram também eles a sua ceia sagrada (comeram o maná, bebido da água do rochedo milagrosamente jorrada pelo golpe do cajado de Moisés)? E, no entanto, por causa de sua incredulidade, de sua murmuração, ficaram de fora da terra prometida. Pouco ou nada adianta ser católico praticante, diríamos, hoje.
A contrição3 é o passo inicial no encontro do homem com Deus. Como Pedro diante de Jesus, após a pesca milagrosa, o homem que se encontra diante de Deus deve dizer: “afasta-te de mim, porque sou um pecador, ó Senhor” (Lc 5,8). O confrontar-se com a santidade de Deus em Cristo dá-me a consciência de ser pecador. A consciência de ser pecador traz dor. Mas é uma dor salutar. A dor do coração, que faz o homem se recolher no fundo de si mesmo, e, ao mesmo tempo, buscar o médico, que pode reconduzir a vida à salvação, isto é, à saúde originária. A dor, a contrição é o princípio, a força “não-força” que move o seguidor-evangelizador de Cristo.
O homem deve poder rejeitar o pecado em si mesmo. Mas deve também ter a coragem de aceitar que é aceito por Deus, mesmo na sua condição de pecador. A verdadeira penitência requer não só repudiar o próprio pecado, mas também abandonar a autoafirmação de si, quer como pecador desesperado (cfr. Judas), quer como o justo que não necessita de conversão (cfr. a figura do fariseu nos evangelhos). A verdadeira penitência é, assim, uma atitude de humilhação, no sentido de reconduzir-se ao vigor própria da humildade. É também uma atitude de esperança, de confiança na misericórdia divina.
Conclusão
A verdadeira e perfeita penitência é obra do amor e não tanto do temor. Os evangelhos nos dão belos exemplos disso: Pedro (após a negação do mestre) e Madalena são dois destes. A contrição, aqui, é a dor que brota no coração daquele que experimenta não ser capaz de amar Aquele que muito nos ama (São Francisco).

1 Expressões de Rudolf Otto em seu célebre livro “O Sagrado”.
2 No Novo Testamento, na boca da Igreja primitiva, “Kyrios” (Senhor), é o nome usado para invocar e glorificar a Jesus. Assim, Estêvão, ao ser apedrejado, na hora de sua morte, faz a seguinte invocação: “Senhor Jesus (Kyrie Iesoû), recebe o meu espírito” (At 7, 59). E, em seu aperto escatológico, os primeiros cristãos invocarão em aramaico, a língua que Jesus falava: “Marana thá” (Nosso Senhor, vem!) (Cfr. 1 Cor 16, 22). Com “Kyrios” (Senhor), a Igreja primitiva atribui a Jesus o próprio nome de Deus revelado a Moisés na visão da sarça ardente – uma confissão que, segundo Paulo, só pode ser feita “no Espírito Santo”: “ninguém pode dizer, Senhor Jesus, a não ser no Espírito Santo” (1 Cor 12, 3).

3 Resumo reinterpretado e completado do Capítulo 2 de “Nossa transformação em Cristo”, de D. von Hildebrand, intitulado “Contrição”. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

GRUPOS DE SÃO FRANCISCO


GRUPOS DE SÃO FRANCISCO!
Por que não?!

Vivemos uma época na qual proliferam os agrupamentos: “Grupos dos AAA”; “Grupos de jovens”; “Grupos de Casais”; “Grupos de dança”; “Grupos teatro”; “Grupos de pesca”; “Grupos de pagode”; “Grupos de corrida, de oração, de pesquisa”, etc., etc.
E por que não:
"GRUPOS DE SÃO FRANCISCO"?
Interessa-lhe?

A resposta está no livro: SÃO FRANCISCO DE ASSIS – CHAMADO E RESPOSTA.
O livro, porém não irá para as livrarias porque não será vendido mas oferecido.
Por isso a edição será limitada ao N° de exemplares reservados com antecedência.
O livro estará á disposição na segunda semana de março/2016.


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Pistas para homilia


 2º domingo da quaresma

21/02/2016
Liturgia da Palavra: Gn 15, 5-12. 17-18; Sl 26(27); Fl 3, 17- 4,1; Lc 9, 28b-36.
Mensagem ou Tema: A transfiguração de Cristo, princípio da transfiguração universal.
Imagem: Cruz levada em procissão e colocada num lugar de honra.
Sentimento: júbilo pela sonhada e desejada transfiguração do homem e da criação que se inicia com a Cruz.
Introdução
A quaresma é um tempo para, sempre de novo, aprender de Jesus a carregar a sua cruz como Ele aprendeu a carregar a nossa. Pois na Cruz está o princípio, a semente que deu origem à nova humanidade, à nova criação, denominada por São João como novo céu e nova terra. Graças a este princípio, também nós viemos a ser de fato “Filhos muito queridos do Pai!”
Para celebrar, de novo, este princípio e imbuir-nos da alegria e do vigor de sua presença e operação, eis o sentido da liturgia deste Domingo
  1. Um Deus sedento de aliança
O princípio deste princípio, porém, veio sendo preparado e conduzido dentro de uma longa história denominada “aliança abraâmica”, estabelecida outrora por iniciativa do Senhor com seu servo, o patriarca Abrão; uma aliança que perpassa todos os ciclos da história de Israel, recheada de fidelidades e infidelidades e que a conhecemos também como “Testamento” 1
O coração desta aliança, tem sua origem numa misteriosa afeição que leva Deus e Abrão a um encontro de profunda intimidade, identificação, comunhão e responsabilização; uma afeição celebrada através de um pacto e selada com um sacrifício recheado de júbilo e promessas: “Abrão teve fé no Senhor....” e o Senhor, por sua vez, promete-lhe não apenas terras e uma descendência tão numerosa quanto o número das estrelas, mas a condição de ser no mundo o seu servo.
Nós conhecemos um pouco as alianças políticas ou econômicas. Há, porém uma diferença enorme, substancial entre essas e a aliança abraâmica. Enquanto naquelas a prática é sempre salvar a economia, a política em detrimento das pessoas, na primeira, ao contrário, a preocupação e a paixão é sempre pelas pessoas. Por isso a SE busca outras imagens para expressar a riqueza da intimidade pessoal dessa iniciativa de Deus como, por exemplo o relacionamento Pai-filho (Jeremias) e Esposo-esposa (Oséias).
Por isso, reduzir a fidelidade e a obediência da aliança abraâmica a um cumprimento de obrigações meramente legais, como fizeram e fazem os fariseus de ontem e de hoje, a um frio e interesseiro mercantilismo religioso, corrompe e deturpa pela raiz essa que é a mais bela expressão de amor e de compaixão entre Deus e as pessoas.
  1. A Transfiguração de Cristo princípio da transfiguração da Humanidade e da Criação
A aliança antiga de Deus, iniciada outrora através de seu servo Abraão, precisava ser levada ao seu sumo, à sublimidade. Por isso e para isso “o Verbo de Deus se fez carne e veio morar definitivamente entre nós” (Jo,1,14). É dentro desse esforço que se dá o milagre da transfiguração.
O que outrora aconteceu no monte Tabor guarda um dos segredos mais significativos da vida de Cristo e de nós cristãos. Por isso, ele mereceu ser celebrado também com a festa da “Transfiguração do Senhor”, em 06 de agosto.
“Jesus subiu à montanha para rezar”. Isto se tornara um costume para Jesus. Mas, desta vez, havia um motivo especial: a proximidade da “Hora da Cruz”, a hora de sua “glorificação”. Mais do que nunca Jesus precisava do Pai. Isto significa que antes dos Apóstolos, quem precisa enfrentar a tentação e o escândalo de um Messias político, prestigioso e poderoso é o próprio Senhor. Antes que os Apóstolos, ele mesmo é quem precisava de iluminação, força, ânimo, fé e coragem.
Tanto Ele como os seus precisavam de fé e iluminação para assumir o que estava para acontecer; tanto Ele como os seus não podiam tropeçar de vez nesta hora decisiva; tanto Ele como os Apóstolos – a Igreja e nós - precisavam ser confirmados na fé de um Messias que se alia, se une ao homem pelo mistério luminoso, admirável, deslumbrante e fascinante da Cruz. A glória que brota do corpo de Cristo neste dia da transfiguração é a mesma que, escondida na tarde da sexta-feira santa, irromperá com todo seu esplendor na madrugada da Ressurreição. Era esse mistério que Ele e os Apóstolos deviam, precisavam ver, sentir e contemplar.
Assim, por uns instantes, foi dado a Jesus e aos seus amigos mais íntimos, saborear o princípio originário da nova Aliança, da nova criação: a Cruz, no âmago da qual se reflete o rosto de um Pai rico em misericórdia (Ef 2,4) que a todo custo deseja e tudo faz para viver e conviver com cada um de seus filhos muito amados.
  1. Os demais personagens da transfiguração
Complementam o milagre da transfiguração personagens da Antiga e da nova Aliança.
Da antiga temos Elias e Moisés. Ambos foram glorificados à medida que participaram da obra de Deus (Ex 34, 29-35; 2 Cor 3, 7-11) e voltaram para Deus de modo misterioso (Dt 34, 5-6; 2 Rs 2, 11-12). Eles prenunciam a glória definitiva, que será dada a todos os justos no mundo vindouro, glória que os mortais que cooperam na obra de Deus recebem por participação e que Jesus tem por natureza, enquanto Filho Unigênito do Pai (cfr. o prólogo de João).
Glória é brilho, esplendor que vem de dentro, da caminhada, da busca e do ser da pessoa. Moisés e Elias representam, segundo Tertuliano, o testemunho da Lei e dos profetas. Representam o que há de mais admirável e exemplar na luta pela fidelidade à Antiga Aliança por parte de toda a descendência de Abraão.
De que falavam Moisés e Elias? Marcos e Mateus não o dizem. Lucas diz: eles falavam a respeito do êxodo (Éxodos) de Jesus, A palavra grega “Éxodos” é traduzida para o latim como “excessus” e significa partida, saída, retirada, morte, abandono, afastamento. Depois, no famoso discurso de despedida, Jesus instrui os discípulos sobre a necessidade de sua partida, usando esta palavra “excessus”. Em outras palavras, Ele precisa sair deste mundo para que venha o outro Paráclito, o Espírito Santo. Moisés e Elias prenunciam, assim, a morte de Jesus. Não será uma morte-morte, mas um desaparecer, um desprender-se para viver de modo escondido (“Deus absconditus”). Enfim, será um perder cada dia sua vida para salvá-la.
Depois vêm os três Apóstolos. Pedro é aquele que confessou Jesus Cristo como o filho do Deus vivo, confissão que se tornou o fundamento da Igreja; aquele que foi escolhido por Jesus para ser o primeiro entre os Apóstolos (primus inter pares). Já Tiago foi o primeiro apóstolo a derramar o seu sangue como mártir em Jerusalém; e João, foi o discípulo amado e o teólogo do Verbo encarnado. As primícias da Igreja, portanto.
Segundo Lucas, Jesus, enquanto rezava mudou de aparência (Lc 9,29). Não é difícil ver nesta constatação, juntamente com a brancura fulgurante de sua veste, o sentido apocalíptico, isto é, o que vai acontecer com Jesus e com toda a humanidade. Diante dos seus discípulos, a sua forma humana, por um momento, se altera tomando o aspecto de um ser celestial, próprio do mundo transfigurado. É a antecipação e a garantia da realidade escatológica. É a manifestação do “filho do homem” e da glória de seu reino (cfr. Lc 9, 27). Nele está ancorada a esperança da salvação definitiva dos homens. A meta de seu caminho, através da paixão e da morte, está na glória da ressurreição, em que ele se apresenta como o consumador da obra da salvação da humanidade inteira e do universo inteiro com ela. Já agora Cristo, o Verbo (Lógos), é a luz que ilumina todo o homem, que vem a este mundo (cfr. o prólogo de João). Luz que tem seu brilho maior e definitivo na Cruz.
Conclusão
Fazer brilhar a glória, o júbilo da Cruz de Cristo, eis o coração de toda a evangelização cristã. Disto ela jamais deverá se envergonhar como nos alerta São Paulo: Já vos disse muitas vezes, e agora repito chorando: há muitos aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo (Fl 3,18). E nosso Papa: Sem a cruz podemos ser tudo: bispos, religiosos, papas, padres, mas jamais seguidores de Cristo, muito menos de Cristo pobre e crucificado (Cf. Homilia na santa missa com os cardeais, 14 de março de 2013).
Misericordes sicut Pater!”
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini.

1 A expressão b’rit hadashah foi traduzida para o grego como kainé diathéke, nova disposição, novo ordenamento, nova constituição; e, para o latim como “novum testamentum”: novo testamento. Os escritos que recordam a Nova Aliança de Deus com toda a humanidade, selada no sangue de Cristo, são reunidos no cânone da Igreja sob o título de Novo Testamento

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Pistas para homilia


Quarta-feira de cinzas

10/02/2916
Liturgia da Palavra: Joel 2, 12-18; Sl 50 (51); 2 Cor 5, 20 —6,2; Mt 6, 1-6.16-18
Tema: Quaresma: Tempo de penitência, de conversão
Mensagem: “Voltai para mim com todo o coração”, diz o Senhor
Imagem: Cartaz da campanha da Fraternidade
Introdução: O sentido da Quaresma

Desde o século IV, os cristãos adotaram o costume de preparar a festa anual da Páscoa com uma quaresma (Quadragesima), isto é, com quarenta dias de penitência, que imitam os quarenta dias de jejum que Cristo observou antes de iniciar sua vida pública. Por isso, desde sua origem, esse tempo vem caracterizado, essencialmente por um forte convite à penitência evangélica, uma penitência interior e exterior, individual e social, pessoal e comunitária. É dentro deste espírito que se criou, no Brasil, a Campanha da Fraternidade. Este ano a Campanha é ecumênica e o tema é ecológico: “Casa comum, nossa responsabilidade”. Já o lema é: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5, 24) ”.
Neste sentido, segundo Karl Rahner, precisamos, hoje de uma “revolução copernicana” na piedade moderna, isto é, perceber e experimentar que “o dia-a-dia de nossa vida está repleto de Deus e de sua graça”. A partir do Vaticano II o centro da vida cristã – o que vale dizer da vida de Cristo vivida num e por um cristão - se deslocou do templo, da igreja e da própria religião para as realidades humanas e sua história. Isso significa que hoje, não se pode mais ser cristão sem converter-se também para os irmãos e irmãs e todas as criaturas de nossa Casa comum, principalmente as mais injustiçadas, debilitadas e sofredoras.
Quem compreendeu bem a importância da penitência evangélica e da Quaresma foi São Francisco. Chegou a definir a vida cristã como “vida de penitência” (Testamento) e o grupo de irmãos reunidos ao seu redor de “penitentes”: os “Penitentes de Assis”. Estimava tanto essa penitência que chegava a fazer cinco quaresmas por ano. Foi numa dessas – a de São Miguel - que teve a graça de receber no próprio corpo os sagrados estigmas do seu Senhor.


  1. Voltai para mim com todo o coração
O caráter penitencial da vida não foi uma invenção de Jesus. Os judeus já conheciam os dias de jejum e penitência, principalmente em tempos de calamidades e decadências religiosas. Muitos eram os sinais desse espírito e dessa busca: rasgar as vestes, vestir-se de sacos, cobrir-se de cinzas e entoar lamentações nacionais. Os profetas, porém, insistiam para que todos esses gestos viessem da interioridade sincera de um coração contrito e humilde: “Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos” (Joel 2, 13a). Neste sentido, quem se volta inteiramente para Deus como o seu único e verdadeiro Senhor, não precisa de mais nada e de mais ninguém. Sua conversão virá acompanhada também da necessidade de um despojamento radical.
O Novo Testamento expressou o retorno para Deus com o clássico verbo “metanoein”, que tem o sentido de mudar de mente (nous)1, de revolucionar o próprio pensamento, de adotar outro modo de pensar e de sentir. A virada se dá, aqui, no interior do homem. A tradição tem vários modos de chamar este interior invisível, âmago velado: ápice de sua mente (Boaventura), fundo da alma (Eckhart), coração (Bíblia/Pascal). Quer dizer que aquilo que o homem tem de mais nobre em seu ser sofre uma guinada para Deus e, com isso, todo o seu ser, sua inteira existência, vira de volta para Deus. Daí a insistência de Jesus: “convertei-vos e crede no Evangelho”. Em Jesus, porém, a conversão está sob a égide não da severidade e da ameaça da Lei, mas da alegria do Evangelho, isto é, da presença do próprio Deus: o Deus-conosco. Por isso o arrependimento e a conversão, em Jesus, mais do que uma questão de remorso e de temor servil (attritio)2 é uma questão de um pesar amoroso e de uma veneração filial (contritio)3. O cristão não ama a Deus porque o teme, mas se o teme é porque O ama (S. Francisco de Sales).
  1. Eis o tempo favorável
A Quaresma, porém, antes de um tempo de quarenta dias é um sinal de que toda a vida deve ser vivida em espírito de penitência evangélica. É por isso que São Paulo convida os cristãos: «Reconciliai-vos com Deus. Este é o tempo favorável». Para Paulo, a penitência, a conversão, o retorno do homem para Deus, é um renascimento. É morrer com Cristo, para ressuscitar com Ele, e, assim, tornar-se uma “nova criatura”: “se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O mundo antigo passou, eis que aí está uma nova realidade” (2 Cor 5, 17), diz ele no mesmo contexto da segunda leitura de hoje.
  1. O Pai que vê o que está oculto será tua recompensa
Como para os antigos profetas, também para Jesus o centro da penitência é o esforço de abrir-se para o Senhor que vem ao nosso encontro no outro que está ao nosso lado para que nós lhe lavemos os pés. Por isso em seu famoso Sermão da Montanha não diz que o homem deve praticar a esmola, a oração e o jejum – obras que todo homem deve fazer por ser homem -, mas como deve fazê-lo, isto é, de modo limpo, humilde, isento de qualquer outra intenção senão o puro bem-querer, sem nenhum “porquê”, nem “para quê”. Qualquer outra busca que não seja abrir-se para o Pai “que vê no segredo”, vem do mal da vanglória.
Por isso, Nosso Senhor, com as indicações da perícope evangélica de hoje, quer matar este mal pela raiz – eliminando-o no seu nascedouro: no desejo de aparecer e de parecer bom, de parecer justo, aos olhos dos outros e de si mesmo – o que Jesus chama de “hipocrisia”. Hipócrita é aquele que simula, que finge: que quer aparecer e parecer como aquilo que ele, no fundo e na verdade, não é. O contrário da hipocrisia e da vanglória é a humildade: quando o homem aparece na verdade daquilo que ele é diante de Deus.
Assim, a Quaresma é um tempo, uma caminhada que nos leva a reconhecer e a aprender uma lição que devemos seguir todos os dias, em tudo e com todos: que todo o bem e todo o carisma provém de Deus e que, por conseguinte, de tudo o que temos ou somos de nada podemos gloriar-nos. Por isso, tornou-se praxe na abertura da Quaresma recordar ao cristão os três grandes exercícios penitenciais da tradição cristã: a esmola, o jejum e a oração.
A oração porque nos leva a libertar-nos de nós mesmos e a abrir-nos para Deus. O jejum porque nos liberta da busca da autossatisfação piedosa e nos coloca no seguimento de Cristo pobre e crucificado; um seguimento no qual o mais importante não é a aceitação do sofrimento que nós mesmos nos impomos, mas que vem gratuitamente dos outros ou dos acontecimentos da vida. O mesmo diga-se da esmola que deve ser feita gratuitamente ao ponto de a mão esquerda não saber o que faz a direita.
Há em cada um desses três exercícios um único e mesmo espírito: o despojamento do centralismo do eu da própria subjetividade. Assim, aos poucos o fiel não dirá mais ”eu sei”, mas o Senhor sabe, “eu faço”, mas o Senhor faz, “eu quero”, mas o Senhor quer, “eu posso”, mas o Senhor pode.
Conclusão
A exemplo de Jesus e Francisco que se retiravam do público para estarem bem próximos da fonte que é o Pai e assim poderem estar também bem unidos e próximos dos homens e das criaturas acolhamos mais esta Quaresma com muita gratidão e alegria.
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini.

1 A palavra “nous” vem da raiz “snu”, que tem a ver com farejar. Quer dizer: ter o sentido dirigido a. “Nous” significa, assim, a percepção espiritual, a apreensão intelectual do sentido de ser, o pensamento, portanto. Os medievais traduzem ora por “mens” (mente), ora por “intellectus”. É a disposição receptiva à manifestação do ser, à verdade. “Nous” diz, também, “insight”, vislumbre das possibilidades de ser, inventividade, portanto. Também tem a ver com a consciência (syneidesis), isto é, com o saber de si por parte do homem no tocante à sua orientação total na vida. Pode ser, portanto, teorético ou prático. É o mais elevado no homem, o mais nobre, o divino no homem. Equivale ao que a Bíblia chama de “kardía” (coração): o centro pessoal do homem, para onde converge todo o seu viver, e de onde emana todos os seus pensamentos, suas palavras e ações.
2 Arrependimento imperfeito.

3 Arrependimento perfeito.