domingo, 6 de março de 2016

Pistas para homilia


4º Domingo da Quaresma

06/03/2016
Pistas homiléticas
Liturgia da Palavra: Js 5, 9a.10-12; Sl 33 (34); 2 Cor 5, 17-21; Lc 15, 1-3.11-32
Tema ou mensagem: Tínhamos de fazer festa e alegrar-nos porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, perdido e foi reencontrado.
Imagem ou cena: O reencontro, a reconciliação entre o filho e o pai
Sentimento: Alegria do encontro e da reconciliação
Introdução
Domingo passado, celebramos a graça da conversão contrita e frutuosa (Cf. parábola da figueira que recebeu mais uma chance de dar frutos). Hoje, somos convidados a celebrar a alegria do reencontro do Pai com seu filho. Por isso, o domingo de hoje é chamado “Dominica laetare” 1, isto é, Domingo da alegria. (Cf. antífona de entrada). A alegria é recíproca: nossa e de Deus. Nossa por sermos recebidos de volta nos braços e na casa do Pai. Dele porque seu filho que estava morto voltou à vida e perdido foi encontrado.
  1. Alegria que vem de uma longa e sofrida história
A primeira leitura da Palavra de Deus deste domingo, tirada do servo de Deus Josué, trata da primeira páscoa celebrada pelos hebreus na planície de Jericó, na terra de Canaã dada de graça por Deus a seu povo eleito. Esta celebração marca o fim da travessia no deserto e da escravidão do Egito e o começo de uma nova vida na terra da promessa: terra livre, acolhedora e frutuosa, terra de filhos e irmãos e não de escravos. Nesta celebração, alegre e festiva, além de comer a páscoa (o cordeiro) e os frutos da terra, comeram também “pães ázimos” (sem fermento) e espigas tostadas que se ofereciam nas festas de colheitas como primícias. É a alegria da antiga Aliança, sombra daquela que brotará da nova que será inaugurada pelo futuro Messias.
  1. A alegria do reencontro
Na verdade, a parábola do Evangelho de hoje deveria se chamar de “parábola do Pai misericordioso e compassivo”. A história é comovedora e dramática ao mesmo tempo. Tudo começa com a murmuração dos fariseus e escribas contra Jesus porque Ele não só acolhia os pecadores e publicanos, mas ousava, até, sentar-se à mesa, comer e fazer festa com eles. E tudo isto em nome de Deus. De fato, o que Jesus faz é algo realmente inaudito, coisa nova, nunca vista: uma Boa Nova para os publicanos e pecadores, mas uma blasfêmia, um escândalo para os “santos” e “religiosos praticantes” da época e de todos os tempos.
O filho mais novo – Adão - não apenas quer ver-se livre do pai, mas, também, quer a parte do patrimônio que lhe cabe por herança. Ele anseia por autonomia – viver por si e para si, autocentrado em sua autorreferencialidade, diria nosso papa. Apesar deste rompimento, o pai, porém, continua sendo o pai dele, um pai que em vez de ser ciumento, é generoso, um pai que prefere negar-se a si mesmo, para deixar-ser o manancial que dele emana, a vida, o filho querido e muito amado. O que este filho – Adão – fez para si foi “matar” seu Pai, seu Deus, mas o que fez para seu Pai, seu Deus foi proporcionar-Lhe um novo “nascimento”, isto é, obrigou o Pai ser mais Pai, Deus a “ser mais Deus ainda”.
Na verdade, quem morre é ele, o filho. Assim, longe da casa paterna, morto em relação ao Pai foi obrigado a fazer-se servo de um estranho e a ser “pastor de porcos” que, segundo os Padres da Igreja equivale a servir ao diabo e, por extensão, à sofreguidão dos desejos sensuais, das paixões desregradas, dos pensamentos sórdidos, dos vícios (Cf. Mc 5,12ss). Surge, então a fome. Mas, o alimento que encontra não é mais a Palavra, o amor do Pai e sim a comida dos porcos. É o sentido negativo da palavra “pródigo”, que quer dizer, aqui, “dissipador” dos bens paternos.
A necessidade, porém quando bem aceita torna-se uma bênção. Assim, aos poucos, no fundo da memória deste filho ressurge, esplendoroso, o rosto misericordioso do Pai; um rosto que co-move o filho a encetar o caminho da “volta”. Vem-lhe, então à mente a generosidade do pai: seus diaristas tão bem tratados enquanto ele morrendo de fome tem de contentar-se com a comida, as alfarrobas dos porcos. Distante da Casa paterna tornara-se escravo de si e dos outros. Precisava voltar para o Pai, nem que fosse para ser um de seus empregados. Note-se, porém, que na origem deste sentimento está a presença do rosto misericordioso do Pai na memória do filho. Ou seja, antes do filho é o Pai quem suscita no coração do filho o desejo da volta.
Por isso, diz o evangelho que estando o filho ainda longe o Pai correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Comentando este gesto do Pai diz nosso Papa. “Misericórdia é a atitude divina que abraça, é o doar-se de Deus que acolhe, que se dedica a perdoar [...]. Você pode renegar a Deus, você pode pecar contra Ele, mas Deus não poderá renegar-se a si próprio, Ele permanece fiel” (“O nome de Deus é Misericórdia”, p. 37 e 38). Em Deus perdoar não é ato, mas ser. Por isso sua nome é Perdão, Misericórdia, Compaixão, ou quem sabe “Miserando atque elegendo” (“Msericordiando e escolhendo” Trata-se do lema episcopal do atual papa).
Consequência imediata deste reencontro o Pai manda os servos trazerem a “primeira roupa”, um anel para o dedo, as sandálias para os pés. Ele é revestido de novo com a dignidade, a beleza e integridade de filho, que tinha perdido. O anel assinala a autoridade e as sandálias a liberdade (os escravos não andavam de sandálias). O filho não é aceito na condição de servo, nem de diarista, mas de senhor, de homem livre. Ele é recebido na condição de igualdade com o Pai.
Por fim, o Pai manda os servos matarem o bezerro gordo para servir de festim que iria celebrar a recuperação do filho, o resgate de sua saúde, a salvação. Os Padres da Igreja veem neste bezerro o sacrifício de Cristo. Ambrósio lembra que o bezerro era vítima sacrifical. Assim, para que nós passássemos da morte para a vida, da perdição e ruína para a salvação, era preciso o sacrifício de Cristo. Agostinho lembra que, na Igreja, o retorno do filho à casa paterna acontece com a confissão e a penitência e o festim que celebra a reconciliação acontece com a eucaristia.
Quando a história parece ter chegado ao seu clímax entra a voz do filho mais velho (presbyteros) em diálogo áspero com a voz terna do pai. É a voz dos fariseus e escribas, mas pode ser também do homem do Antigo Testamento e, por que não, de cada um de nós! Este filho é um trabalhador de Deus, do Pai, mas só que o faz não como filho e sim como servo – por temor ou como diarista – por merecimento.
A música e a dança significam a alegria dos que cantam a eterna misericórdia do Pai e o cântico novo das novas criaturas – os filhos de Deus que estavam mortos pelo pecado e que ressuscitaram pela graça. Se o pai mostrara compaixão, o filho mais velho (o fariseu, nós) mostra ira. O fariseu é o homem zeloso pela justiça divina; o guardião da ira de Deus... Não aceita que esta ira não tenha sido descarregada sobre o filho mais novo, um dissoluto; não aceita que o pai tenha relaxado a sua justiça, expressando bondade para com o pecador. À ira junta a inveja e o ressentimento. Enquanto o filho mais novo era o preferido, o pupilo do Pai ele não passava de um simples empregado cuja fidelidade nunca tinha sido reconhecida. O Pai nunca tinha lhe dado sequer um cabrito, o gado mais insignificante da fazenda, para que ele pudesse festejar com os amigos. Enquanto isso aquele irmão dissoluto e pervertido ganha o que há de mais precioso: o bezerro gordo. Movido pelo espírito de vingança, de reivindicação e da sua “justiça” omitida, tudo isso é lançado desaforadamente na cara do pai.
  1. Alegria que brota da reconciliação
O que Jesus proclama em fórmula de parábola, a Igreja atualiza pela pregação e pelo sacramento da reconciliação e da eucaristia. Por isso, na 2ª leitura de hoje, São Paulo chama o Evangelho, a Boa Nova de Jesus, de “anúncio da reconciliação”: “lógos tes katallages”. Esta mensagem é de tão grande importância que nesta breve leitura por cinco vezes ele usa o verbo “reconciliar” ou seu substantivo “reconciliação”.
Na obra da reconciliação, porém, não há nenhuma simetria entre Deus e os homens, pois tudo isto vem de Deus que nos reconciliou consigo por Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação (2Cor 5,18). Além do mais, Paulo não se contenta em anunciar o fato. Importa, também, que vejamos como isto se deu: “Aquele que não conhecera pecado, por nós, foi feito pecado, para que nós nos tornássemos justiça de Deus n’Ele” (2 Cor. 5, 21). Ou seja, o Pai em vez de imputar aos homens suas faltas (cfr. 2 Cor 5, 19) Ele as imputa a Si. Assim, o inocente é tratado como culpado e os culpados como inocentes. A maldição que deveria cair sobre todos os homens, cai sobre o Filho bendito, o bezerro gordo. O bendito se torna maldito para que os malditos se tornem benditos. Eis o “lógos tes katallages”, o princípio, a origem de uma nova relação do homem com Deus, dos homens entre si e destes com todas as criaturas (Cf. Campanha da Fraternidade)
Em Adão, o homem morre. Em Cristo, ele vive (cfr. 1 Cor 15, 22). Adão, o primeiro homem, a velha humanidade. Jesus o homem novo, a nova humanidade.
Conclusão
Perguntado porque nosso tempo precisa tanto de misericórdia, nosso papa respondeu: “Porque nossa humanidade é uma humanidade ferida, uma humanidade que possui feridas profundas” (“O nome de Deus é misericórdia” p. 45)
São Francisco, por sua vez dizia a um Ministro: “Não deve haver no mundo irmão que tenha pecado até não poder mais que, após ter visto teus olhos, nunca se afaste sem a tua misericórdia” (CM 9).
Marco Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

1 "Alegra-te Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações" (Cfr. Isaías 66, 10-11)