quinta-feira, 21 de abril de 2016

Pistas para homilia

5º domingo da páscoa

24/05/2016

Pistas homiléticas

Liturgia da Palavra: 1ª Leitura: At 14, 21b-27; Sl 144; 2ª Leitura: Ap 21,1-5ª; Evangelho: Jo 13, 31-33a.34-35.
Tema ou mensagem: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei
Imagem: Cruz de São Damião (basta buscar no Google com este título)
Sentimento: A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus (EG, 1 do Papa Francisco).

Introdução

O 5º domingo da Páscoa retoma e celebra de novo o coração do mistério pascal expresso no famoso ordenamento de Cristo aos apóstolos no sermão de despedida na Última Ceia, na véspera de sua crucificação: amai-vos uns aos outros como Eu vos tenho amado.
  1. Na Cruz a glória de Cristo e do cristão

Na abertura do evangelho de hoje temos a famosa frase de Jesus, pronunciada logo após Judas sair do cenáculo para dar andamento à sua traição: “Agora, o Filho do homem é glorificado” (Jo 13, 31). Não é muito difícil imaginar o alvoroço que este anúncio deve ter provocado no coração de cada um dos apóstolos. Se esta era a hora da glorificação do Mestre, certamente seria também a deles. Em breve seriam elevados a ministros, chefes e governadores de Israel e, quem sabe, até mesmo de uma boa parte deste mundo. Sabemos, porém, que eles ainda não estavam à altura de compreender e de aceitar que Jesus estava falando de outra glória.
Talvez seja bom, primeiramente, tentar intuir o rico significado deste termo. Usualmente, entendemos glória como uma realidade estática, pronta, feita, algo como fama ou prestígio que alguém conquistou ou recebeu. Como todas as realidades humanas, porém, glória se constitui a modo de fruto de uma longa história. É o brilho, a luz da obra, ou melhor, da operação; é o fulgor que vem nascendo, se revelando, se constituindo e se difundindo e infundindo numa pessoa, na medida que essa se doa, se entrega na busca de sua identidade, vocação e missão. Neste sentido é que se fala na glória de uma mãe, de um professor, etc. Mas, há também a glória do próprio ser, como tal. Como não admirar, por exemplo, a glória de uma criança recém-nascida, de uma árvore ou de uma pedra!? Os salmistas, por exemplo, não cessam de cantar a glória de Deus se espalhando por toda a terra através das criaturas (Cf. Sl 72,19). Parafraseando São Boaventura podemos dizer que cada criatura é glória, brilho, presença de Deus. No Antigo Testamento, a glória de Deus é o brilho, o esplendor de sua manifestação majestosa, a irradiação de sua presença magnânima, que se manifesta sobretudo nas suas teofanias, como algo de numinoso, isto é, enquanto mistério tremendo e, ao mesmo tempo, fascinante.
A glória de Jesus já vinha sendo anunciada como o brilho de sua parousía, isto é, de seu advento, de sua chegada entre os homens, pela encarnação: “E nós vimos a sua glória; glória essa que, Filho único cheio de graça e de verdade, ele tem da parte do Pai” (Jo 1, 14). Esta glória do Unigênito, do Filho de Deus, vai se manifestando cada vez mais intensa e fortemente de várias formas e em diversas ocasiões, como, por exemplo, nas bodas de Caná, na morte e ressurreição de Lázaro, na Transfiguração (Lc 9, 28-36), etc. Mas, para João, o momento da Páscoa de Cristo, de sua passagem deste mundo ao Pai, pela paixão-morte-ressurreição, é o momento mais decisivo, o auge de sua glorificação como Filho do homem que, então, se revela verdadeiramente, Filho de Deus (Mc 15,39).
A Cruz de São Damião, diante da qual Francisco orou e experimentou sua vocação a reformar a Igreja de Cristo, retrata bem a glória do Crucificado. O brilho dourado e a luz que circunda o Crucificado e que envolve os participantes da crucificação comunica, de forma icônica, esta glória que se dá na cruz. O artista que a criou era um bom teólogo: percebeu o sentido da glorificação do Crucificado na própria cruz, segundo a mensagem do Evangelho de João.
Para João, a Cruz é glorificação do Filho do homem, é o “agora” escatológico, o auge, o cume de todo empenho de um Deus imortal fazer-se inteira, absoluta e definitivamente Homem mortal para que o homem mortal se tornasse imortal; empenho para que também nós pudéssemos comungar de sua glória de verdadeiros filhos de Deus, cheios de graça e de verdade.
  1. No novo mandamento do amor o princípio do novo homem e de sua história

Mas, onde está a novidade deste mandamento? Está no fato de não ser mais propriamente uma lei mas uma Pessoa - Deus, na pessoa de seu Filho Unigênito, Jesus Cristo. Assim quando amamos (Deus ou o próximo) em verdade é Deus quem, em nós ou por nós, está amando. Isso significa que nós por nós mesmos não somos capazes de amar. Se amamos, como diz São João, é porque “Ele nos amou por primeiro” 1Jo 4). Por primeiro não tem sentido cronológico, mas radical, de raiz. Ou seja, é no amor, que é Ele, que amamos. “Como eu vos amei, vós também amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34), significa, então, amar na união de convivência (koinonia), de doação, de entrega um ao outro inaugurado por Cristo. Eis o novo “princípio da estruturação constitucional da Humanidade” (Harada): o amor (agápe)1. Eis a nova ”regra” de vida, que se põe como princípio da nova humanidade; eis a co-missão, isto é, o encargo, a incumbência, a tarefa por ser realizada, por ser “perfazida” (sentido de entolé = mandamento) pelos discípulos de Jesus Cristo, que são associados a Ele na comunhão (koinonia) de amor com o Pai.
E como Cristo amou os homens? “Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1), isto é, até o sumo, ao extremo de dar a vida. Perfazer a via excelente deste amor (cfr. 1 Cor 13) é o sentido de ser do viver cristão. Este mandamento novo tem o poder de criar a nova humanidade. Agostinho dizia: novo é este mandamento, pois este amor tem o poder de renovar os homens. Com ele surge “a nova humanidade na “Ternura e Vigor” da Boa Nova de um Deus cujo amor O fez humano e habitar entre nós” (Harada). Amar assim, leva-me a amar todas as pessoas e criaturas que encontro no caminho da vida, especialmente aquela que anda desamparada; é deixar-se atingir nas próprias vísceras pela miséria do outro homem, seja de que tipo for esta miséria; é fazer misericórdia (São Francisco, Testamento); é atender ao mandamento: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).
O centro – sentido – da História não é, pois, nenhuma ideologia ou visão de mundo, política ou religiosa, nem o capitalismo nem o socialismo, nem o judaísmo, nem o “cristianismo”, nem mesmo o “franciscanismo”, isto é, qualquer “ismo”. É o Homem e, no centro do Homem, Jesus Cristo, o Summum Opus Dei (a suma obra de Deus). É, para Francisco, Jesus Cristo crucificado que todos os dias se humilha descendo do seio do Pai sobre o altar nas mãos do sacerdote, a fim de ser Deus-conosco até o fim dos séculos (Ad I). Por isso, ao dizer “Tomai e comei...” Ele está dizendo que é para tomar e comer seu Corpo, tomar e beber seu sangue, assumir e encarnar sua pessoa, sua obra, sua história, enfim, toda a sua Paixão e sua Cruz.
Todos os “ismos”, enquanto e como tais, na verdade, pervertem o Homem porque o centro de sua busca não é o Homem, mas o bem reduzido a valor e o valor reduzido a capital: capital-dinheiro, capital-trabalho, capital-informação-conhecimento-saber, capital-prestígio e influência social, etc. O perigo destes valores-capitais é de se tornarem ídolos, “deuses” que, a exemplo de Mosoc, exigem o sacrifício do homem. Em vez de o homem se servir deles serve a eles, escravizando-se a eles e perdendo sua vida nesta escravidão. Deus, o Pai de Jesus Cristo, é o radical Outro, o oposto: Ele, Deus e Senhor da vida, se sacrifica, morre na cruz, morre na Ceia eucarística a fim de tornar-se comida, ser comido, literalmente, pela sua criatura (Cf. LS 236) para que essa, o homem, aqui e agora e sempre, possa viver e viver em abundância. Eu vim não para ser servido, mas para servir e dar a vida em favor de muitos.
Por isso, a Última Ceia, sempre foi tida pelos Apóstolos como o núcleo-fonte, a célula-mãe da Igreja. Não esqueçamos, porém, que no coração da Última Ceia está a obra da Sexta-feira santa: o mistério do sacrifício de Cristo na Cruz. Assim, a partir deste Amor, os homens podem amar-se uns aos outros: os sacrifícios devem dar lugar, agora, à misericórdia e à caridade evangélica. Assim, fazer comunidade é fazer eucaristia e fazer eucaristia é fazer comunidade a modo ou no vigor de Cristo crucificado.
Acerca desse princípio assim se expressa o Papa Francisco: A criação encontra a sua maior realização na Eucaristia [...] quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontra-Lo em nosso próprio mundo. (LS 236).
Por isso, não se pode baratear o mandamento do Novo Amor – núcleo originário da Última Ceia-Missa(ão)-Eucaristia-Cruz – pois o que de fato Cristo ordena é um absurdo, uma coisa bárbara, impossível: amar a Deus e até o inimigo como Ele ama. Mas, como Ele mesmo diz, o que é impossível para o homem torna-se possível para Deus.

Conclusão

O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de bens de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado (EG 2).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini


1 Primeiramente precisamos levar em conta que nossa língua não consegue expressar a riqueza do mandamento do amor de Cristo. Os antigos tinham uma palavra para expressar o amor familiar (amor entre familiares), outra para o amor entre amigos, colegas, etc. e outra para o amor de doação, de sacrifício. Quando a Sagrada Escritura fala deste amor sempre usa a apalavra grega “agápe” e o verbo “agapáo” ou a palavra grega “cháris” (daí, em latim, caritas) e jamais a única palavra, ”amor” ou “amar”, como nós fazemos. Ora, é evidente que na Última Ceia, Jesus está falando do amor-doação (agápe) e não apenas do amor entre familiares ou amigos.