domingo, 26 de abril de 2015

Tendes algo para comer?

Frei Dorvalino Fassini, OFM

3° DOMINGO DA PÁSCOA
(Lc 24,35-48)

Introdução: Cada domingo da páscoa procura conduzir-nos sempre mais para as profundezas do mistério central de nossa vida cristã: a Ressurreição do Senhor. Na celebração desse domingo somos conduzidos para Jesus que aparece não apenas ressuscitado e vivo, mas também como Aquele que nos pede algo para comer. 

1. Jesus não é um fantasma 

Jesus aparece mais uma vez aos discípulos. Para provar que Ele não é um fantasma, uma invenção ou imaginação dos discípulos, como alguns estavam espalhando; que é o mesmo Jesus que convivera com eles e que morrera na Cruz pede-lhes algo coisa para comer. A Igreja primitiva sempre viu nesse milagre e nessa refeição uma referência muito clara do mistério da missa e, consequentemente, de como deve ser a vida de um cristão. Por isso meditando bem o que acontece nessa aparição podemos compreender bem o sacramento da Eucaristia em sua essência e de nossa missão, uma vez que missa significa missão.

2. Festa por causa da aparição de Jesus 

Em cada Missa acontece conosco o que aconteceu lá com os discípulos: Jesus em pessoa visita seus eleitos e amigos. Como lá também a nós ele se revela pela palavra, nos explica o sentido da sua Cruz e, acima de tudo quer comer com eles, como fizera outrora tantas vezes, principalmente na Última Ceia. Por isso, como lá também aqui uma grande Festa, uma grande alegria pelo reencontro. Festa tão grande que, tempos passados, se tocavam os sinos, se vestia a “roupa de domingo” e as pessoas se ajuntavam em grupos..., enfim, realmente, uma festa. Viver a Alegria Dessa Boa Nova (Reencontro com Jesus Cristo), eis nossa vocação e Missão, nos, lembra e exorta o papa Francisco com sua Exortação “Evangelii Gaudium”. 

3. A Refeição expressão do amor que é Deus 

O auge de uma festa é sempre o banquete, a refeição. O estranho aqui é que quem pede algo para comer é Jesus. Mas, como não é Ele que, a exemplo de seu Pai, dá e se dá em alimento, como fez na Última Ceia e na Cruz? 

Certamente, Deus é o grande doador. Há, porém, uma coisa que precisamos aprender sempre de novo. Nosso Deus, em vez de um Deus poderoso é um Deus pobre, tão pobre que nem sequer tem o poder de nos amar se nós não lhe dermos, também nós de nossa parte nosso amor. Eis o sentido, o porquê ele pede aos apóstolos algo para comer. Isso nos abre um novo horizonte acerca do amor cristão. 

4. Amar mais que dar é receber 

Portanto, para compreender o primeiro dos nossos mandamentos, coração e essência da vida dos cristãos, não basta dizer que Deus é Amor é preciso olhar como Ele ama. A essência do Amor Dele é de receber-nos, acolher-nos, assim como somos (cf. Parábolas do Evangelho, principalmente a do filho pródigo). Ele nos ama, sim, mas a modo de crucificado, isto é, de alguém que em vez de ser um senhor poderoso, capaz de fazer-nos benefícios e acima de tudo de ter o poder de amar-nos vem e está conosco como escravo, servo que precisa e mendiga nosso pão, isto é, nosso amor. Por isso, o amor cristão inverte o valor do relacionamento humano: grande não é o que dá, mas o que recebe. Esse é o sentido maior da Missa e da missão do cristão: Um amor tão limpo, puro, inocente que é o próprio modo de ser de Deus: Aquele que recebe. Por isso, aprender a amar é aprender a bem receber, bem acolher. 

Esse modo de amar é tão originário que se constitui também no modo de ser das criaturas. O que é uma árvore, por exemplo, senão o acolhimento da seiva, a água senão o acolhimento das gotas, o rio senão o acolhimento das vertentes. O próprio mistério da encarnação só foi possível porque houve quem acolhesse o Verbo eterno do Pai: Maria. Grande, portanto não é o que dá mas o que recebe. Por isso é que Jesus pede algo para comer: Tendes algo para comer? Ou seja: Por favor me aceitem, me recebam como sou - todo chagado, ferido, sujo, crucificado. 

Ora, todos sabemos por experiência, como e quanto faz bem ser bem recebido, bem acolhido, visto, escutado! (Pastoral da colhida!) É a única força que realmente transforma as pessoas. Assim aconteceu com os apóstolos e acontece conosco em cada missa. Por sermos bem recebidos por Deus que nos acolhe assim como somos transformados em Cristo e Cristo, por sua vez se transforma em nós; Ele se identifica conosco e nós com Ele. Por isso São Francisco em vez de falar de “entrar na Ordem” fala em “ser recebido na Ordem”, em “receber benignamente os Irmãos”. 

5. Missa, missão 

O Evangelho termina exortando: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. 

O Evangelho termina convocando os Apóstolos a serem testemunhas da alegria que nasce dessa dupla recepção-acolhimento: Deus nos recebe em seu coração e nós tb. podemos acolhê-lo em nossa vida. Ele quer que nós sejamos semelhantes à sua e nossa origem, a SS. Trindade: Povo, Família, Igreja. Por isso a missa é sempre Comunhão dos filhos de Deus; de seu Povo cuja causa é o acolhimento que Deus faz de cada um de seus filhos, tornando-os seu Povo: Povo de Deus. Por isso o sentido maior da vida é sempre comunhão (céu), nunca isolamento (inferno), a festa e não o trabalho. 

Por isso, o cristão tem o dever de testemunhar que seus trabalhos, pastorais e a própria evangelização só tem sentido quando feitos e vividos a modo de Missa, isto é de um grande e reverente acolhimento do Outro e de todos os outros, sejam quem e como forem.

terça-feira, 21 de abril de 2015

domingo, 12 de abril de 2015

Tomé e o Domingo da Misericórdia

2° DOMINGO DA PÁSCOA
Domingo da  Misericórdia  (Jo 20,19-31)
“Põe o teu dedo nas minhas chagas, Tomé e não sejas incrédulo, mas fiel”

Frei Dorvalino Fassini, OFM

O Tempo da Páscoa – uma Festa de 50 dias ou sete semanas – tem como objetivo aprofundar-nos cada vez mais no mistério maior de nossa vida, inaugurado por Jesus Cristo no Presépio e consumado na Cruz. Hoje, através de Tomé, somos convidados a fazer um ato de fé nas chagas salvadoras de Jesus e assim curar-nos de todas as nossas chagas. 

Mistério, aqui, é mais que uma verdade, conceito ou doutrina. É o próprio Deus que se revela na Pessoa de seu Filho que vem ao nosso encontro, principalmente em sua Cruz e Ressurreição. Por isso, diz o Papa Francisco: no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo (EG 7). Esse é o mistério de todos os mistérios. A maravilha... a grande Alegria que alegra e salva todos os homens.

Infelizmente, por vivermos mais na inflação das palavras, das doutrinas e teologias do que no vigor da fé essa Boa Nova tão simples, clara, concreta e profunda não diz quase mais nada ou muito pouco. Não nos leva para a gratuidade da doçura do encontro ou do reencontro (EG 3) com JC crucificado, o mais belo dos filhos dos homens. É como alguém que pega seu carro para passear. Mas, em vez de olhar e saborear a beleza da paisagem fica apenas olhando para o carro e para a estrada.  

Precisamos ser como santo Tomé: querer tocar nas chagas do Crucificado. 

Nós Franciscanos temos em nosso Seráfico pai exemplos maravilhosos. Foi tocando o leproso que teve a graça da conversão; foi tocando um leproso rebelde que conseguiu convertê-lo por dentro e por fora. Mas, para podermos entrar na graça curadora das nossas chagas é preciso, como ele, que imploremos a misericórdia do Senhor: Certo dia, não aguentando mais sua miséria, começou a implorar com maior fervor a misericórdia do Senhor... ( cf. LTC 13,1). 

Tocar não é só um ato externo, mas uma experiência de enamoramento, afeição e com-paixão e identificação (cf. como nossos fieis simples gostam de tocar nas imagens, no papa). 

Ora, o que são as chagas de Cristo senão sinais da máxima experiência do amor, da fé, na bondade, na misericórdia, na compaixão de Deus para conosco. Com sua vinda ao mundo, com sua morte e ressurreição, Cristo introduz na história um novo princípio de ser homem, de ser gente: o princípio, a regra da compaixão, da misericórdia. 

O tempo da Páscoa, isto é, o tempo que vai da Sexta feira da Paixão até a consumação dos séculos, é para apender a tocar com misericórdia nossas (minhas e dos outros) chagas. Chagas morais e espirituais, chagas pessoais e sociais, particulares e comunitárias.

Dentro desse mistério a sorte e a essência do homem não é nem desenvolvimento, nem santidade e nem mesmo felicidade, mas poder amar do jeito como o Pai nos ama; é amar como Cristo amou, num amor que persevera de modo alegre na graça de poder doar-se com toda confiança e dedicação Àquele que o abandonou. 

Eis a Boa Nova, a Alegria do Evangelho. O novo sentido do homem! 

Só nos resta fazer como Tomé: ajoelhar-nos diante desse Mistério e proclamar como ele: “Meu Senhor e meu Deus!”