10°
DOMINGO DO TEMPO COMUM
05/06/2016
Liturgia
da Palavra: 1Rs
17,17-24; Sl
29; Gl 1,11-19;
Lc
7, 11-17
Tema ou mensagem:
Jesus, tomado de compaixão, disse: “Jovem, levanta-te e desperta”.
Sentimento:
Compadecidos como o Senhor é compadecido
Introdução
Terminadas
as grandes solenidades pascais, agora, através do “Tempo Comum”,
a Igreja começa a celebrar a nova presença de Cristo; uma presença
muito mais real e profunda do que a da encarnação e da ressurreição
porque conduzida pelo poder do Espírito que invade e plenifica todas
as coisas, todos os tempos e pessoas; uma presença cheia de ternura
e compaixão, como veremos neste Domingo.
1.
Um milagre para o grande
milagre
No
Evangelho de hoje, Jesus Cristo está dando início à sua ação
evangelizadora e colocando os fundamentos de seu Reinado na Terra dos
homens. Lucas narra que Jesus se dirige a Naim não porque alguém o
tivesse chamado, mas por iniciativa própria (Lc 7, 11). Isto já é
de se admirar. Diferentemente dos deuses e reis pagãos, em vez de
ficar sentado em seu trono de honras e glórias, rodeado de servos e
escravos, Jesus revela que seu Deus é um Deus sempre “em saída”,
diria nosso Papa, um Deus que toma a iniciativa e vem à procura e ao
encontro das suas ovelhas sofridas e perdidas. Na “saída” de
hoje ele encontra e ressuscita o filho único de uma pobre viúva.
A
narrativa deste milagre tem um objetivo muito claro. Jesus sabia da
dificuldade que os contemporâneos e os próprios discípulos
enfrentariam para crer nele uma vez que ele era um simples e pobre
“nazareno”. Assim, se não conseguissem crer nele pelo menos
podiam intuir, através deste sinal, que aí estava o Messias, o
Cristo (Ungido) de Deus. Milagre, “miraculum”,
é algo que se mostra como digno de admiração, de espanto. Assim, a
ressurreição deste jovem, filho único desta pobre viúva irá
preparar o coração dos discípulos e do povo para a fé, para o
acolhimento de Jesus e de sua mensagem, principalmente da cruz.
2. Ao
vê-la o Senhor sentiu compaixão
“Quando
chegou perto da porta da cidade, estavam levando um morto para
enterrar, um filho único, cuja mãe era viúva” (Lc 7, 12). Nessas
palavras, vem expressa a intensidade da dor daquela mãe. São
Gregório de Nissa captou bem esta dor da mãe em sua intensidade:
“era mãe viúva e já não esperava ter mais filhos, nem tinha
outro a quem olhar em lugar do que morrera. Somente tinha criado a
este, e ele somente era a alegria da casa. Ele só era a doçura e o
tesouro de sua mãe”. A atmosfera é, pois, de fragilidade e de
ternura. Estamos diante do mistério da dor mais profunda e mais
íntima: a dor de uma mãe que perde o filho. E neste caso, uma dor
ainda mais radical e íntima por ser a dor de uma mãe viúva que
perde o filho único.
Quando
o Papa Francisco definiu Deus como “Misericórdia” quis dizer, na
verdade, dor, sofrimento. Sim, nosso Deus é um Deus que sofre, que
se condói, se compadece. Esta é, certamente, uma das mais belas
redescobertas que a Igreja, nós, cristãos, estamos fazendo nesta
enriquecedora caminhada de retorno às nossas origens, iniciada pelo
Vaticano II. Deus é misericórdia, compaixão! (Cf. Brasão de Armas
do Papa Francisco: “Miserando atque elegendo”: “Misericordiando
e escolhendo”).
Muitas
vezes, não gostamos da dor, do sofrimento porque os entendemos como
uma lacuna, uma carência ou negatividade. Por isso, temos
dificuldade de aceitar que nosso Deus seja um Deus que sofre. A dor,
porém, antes de uma deficiência é soleira, porta, passagem onde o
fora se torna dentro e o dentro se torna fora. A dor é travessia,
caminho que possibilita o homem atravessar as barreiras do egoísmo
de sua subjetividade para entrar em comunhão com o outro. É como a
espada que atravessou o coração de Maria, Mãe da Soledade, também
ela, na Cruz, mãe viúva de um filho único que morrera.
No
santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, às margens do Rio São
Francisco, numa gruta escura sob a terra agreste, reverencia-se Maria
como a Mãe da Soledade. O povo pobre e simples, que conhece a dor de
uma “morte e vida Severina” ali vem para consolar a solidão da
Mãe, e para sentir-se consolado, ele também pelo mistério desta
solidão, melhor, desta “soledade”: o ser-só, o só-ser, que a
dor cria no íntimo do coração humano. O atravessar da dor corta e
separa. Nesse cortar e separar, porém, une e recolhe os diferentes
na intimidade. Faz o milagre da comunhão. Este é o milagre maior do
Evangelho de hoje: a ressurreição para a vida em comunhão com o
Pai, com a mãe, e com os irmãos.
Quem
se aproxima daquela mãe é o “Senhor”. O “Senhor” (Kyrios)
quer dizer, então, não somente o que rege com poder e autoridade,
mas o que rege com amor e misericórdia; quer dizer, então, que
Senhor é o “Misericordioso”, o “Compadecido”. Desde o
advento de Jesus Cristo na carne de nossa humanidade, toda a história
humana aparece envolvida na história da compaixão divina: a
salvação dos homens.
Compaixão
há que ser entendida aqui não como simples pena, dó, mas como amor
de misericórdia, isto é, como aquele amor terno em que o homem se
deixa atingir nas suas vísceras (esplanchna)
pela dor do outro homem. É movido por esta compaixão, que o Senhor
diz: “Não chores”: como se dissesse que daqui há pouco tua dor
se mudará em alegria. A sua dor seria como uma dor de parto,
contudo, a alegria que acompanharia esta dor, seria não a alegria de
uma nova vida que vem ao mundo, mas sim a alegria de uma vida
renovada que retorna ao mundo.
3.
Jesus toca na padiola do
jovem morto
Em
seguida, o evangelho diz que o Senhor “se aproximou e tocou na
padiola”; então, “os que a carregavam pararam e ele disse-lhe:
‘Jovem, eu te ordeno, desperta’”. Jesus toca a padiola, isto é,
ele entra em contato com a mortalidade humana. Toca e se deixa tocar.
Mortalidade que ele assumira na encarnação e levara até a
consumação na paixão da Cruz. A vida vem ao encontro da morte, diz
São João Crisóstomo. A carne da nossa humanidade unida ao Verbo,
que dá vida a todas as coisas, se torna vivificadora. Pois, quem a
toca é o “o Senhor”, o Deus “que faz viver os mortos e que
chama as coisas que não são como se fossem” (Rm 4, 17).
Deve-se
notar, porém, que a ressurreição deste jovem é de uma diferença
abissal com os prodígios realizados no Antigo Testamento pelos
grandes profetas, como o de Elias, narrado na primeira leitura de
hoje (1 Re 17) e Eliseu (2 Re 4). Se estes têm de implorar ao Céu
vida sobre aqueles mortos, Jesus se apresenta como o próprio Senhor
da Vida: “Eu sou a ressurreição e a Vida”. Por isso, em vez de
pedir, ele ordena: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te”.
4.O
Jovem
São
Gregório de Nissa observa que esta palavra – jovem - é usada para
quando o homem está na flor da idade, ao despontar da barba. E
completa, designando o jovem como “aquele que pouco antes era a
alegria e a doçura dos olhares de sua mãe, a qual suspirava pela
alegria dos seus esponsais, e o contemplava como o continuador de sua
estirpe, como o rebento de sua posteridade e o báculo de sua
velhice”. É a este que Jesus diz: “Jovem, eu te ordeno,
desperta”. Eis o sinal de que os tempos messiânicos chegaram e de
que não era preciso esperar por outro. Ele é “aquele que vem”.
Deus visitou o seu povo com a sua encarnação e Ressurreição e o
libertou de todas as suas mortes.
Os
Padres e Doutores da Igreja fazem uma leitura, antes de tudo,
histórica dessa passagem do evangelho. Beda entende que esta
passagem mostra Jesus como modelo de misericórdia. Em segundo lugar,
que ela nos dá o motivo para crer na ressurreição. Santo Ambrósio
fala de 7 ressurreições antes da ressurreição de Cristo, narrados
na Bíblia. A primeira é a do filho da viúva de Sarepta (1 Reis
17), por Elias (cfr. a primeira leitura); a segunda, a do filho da
shunamita, por Eliseu (2 Reis 4); a terceira, a ressurreição de um
homem ao contato com os ossos de Eliseu (2 Reis 13); a quarta, a
ressureição do filho da viúva de Naim, por Jesus (evangelho de
hoje); a quinta, a da filha do chefe da sinagoga (Mc 5), também por
Jesus; a sexta, a de Lázaro, ainda por Jesus; a sétima, a dos
mortos que ressuscitaram no momento da paixão de Jesus (Mt 27). A
oitava e última ressurreição é a de Cristo, que prenuncia a
oitava idade do mundo, o novo céu e a nova terra. Trata-se, agora,
de uma ressurreição indissolúvel e definitiva.
Numa
outra perspectiva, os Padres da Igreja fazem uma leitura
alegórica-moral. O jovem representa o homem – Adão - morto pelo
pecado. A viúva é a Igreja, pois o seu Esposo partiu para o céu.
Cada cristão é um resgatado da morte do pecado, pelas lágrimas da
Igreja, tornando-se assim um novo Adão.
Numa
perspectiva anagógica-mística, porém, a ressurreição do filho da
viúva significa a recuperação do entendimento pela alma. A alma,
que perdeu o seu esposo, isto é, a Palavra divina, perde também o
seu filho, isto é, o entendimento. Quando ela – a alma - se une
novamente à Palavra divina o seu filho, isto é, o seu entendimento,
ressuscita. Esta perspectiva, que é a de Teofilacto, é também
retomada por Mestre Eckhart no 18º dos Sermões Alemães. Eckhart
diz:
Era
o filho de uma viúva. O marido estava morto e por isso também o
filho estava morto. O único filho da alma é a vontade e todas as
forças da alma; elas todas são Um no mais íntimo da mente. A mente
é o marido, na alma. E uma vez que o marido está morto, também o
filho está morto. É a esse filho morto que Nosso Senhor diz:
“Jovem, eu te digo, levanta-te!”. A palavra eterna e viva, em que
vivem todas as coisas e que todas as coisas conserva, proferiu a vida
dentro do morto, “e ele se ergueu e começou a falar”. Quando a
palavra fala nas almas e a alma responde na palavra viva, o filho
ganha vida na alma (...). Que também nós, assim, cheguemos a
responder na palavra eterna. Para isso, ajude-nos Deus. Amém.
Conclusão:
Dois
pensamentos e atitudes poderíamos cultivar, principalmente nesta
semana:
- O jovem do Evangelho de hoje sou eu. A mim, à minha alma, é que o Senhor diz: “Jovem eu te digo: ‘Levanta-te’”.
- “Francisco com humildade e ternura visitava as casas dos leprosos, distribuía-lhes generosas esmolas, beijava-lhes as mãos e a boca com grande sentimento de compaixão” (1B 1,6).
Fraternalmente,
Marcos
Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini
Informações:
dorvalinofassini@gmail.com
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