quinta-feira, 2 de junho de 2016

Pistas homiléticas

10° DOMINGO DO TEMPO COMUM

05/06/2016

Liturgia da Palavra: 1Rs 17,17-24; Sl 29; Gl 1,11-19; Lc 7, 11-17
Tema ou mensagem: Jesus, tomado de compaixão, disse: “Jovem, levanta-te e desperta”.
Sentimento: Compadecidos como o Senhor é compadecido


Introdução

Terminadas as grandes solenidades pascais, agora, através do “Tempo Comum”, a Igreja começa a celebrar a nova presença de Cristo; uma presença muito mais real e profunda do que a da encarnação e da ressurreição porque conduzida pelo poder do Espírito que invade e plenifica todas as coisas, todos os tempos e pessoas; uma presença cheia de ternura e compaixão, como veremos neste Domingo.
    1. Um milagre para o grande milagre
No Evangelho de hoje, Jesus Cristo está dando início à sua ação evangelizadora e colocando os fundamentos de seu Reinado na Terra dos homens. Lucas narra que Jesus se dirige a Naim não porque alguém o tivesse chamado, mas por iniciativa própria (Lc 7, 11). Isto já é de se admirar. Diferentemente dos deuses e reis pagãos, em vez de ficar sentado em seu trono de honras e glórias, rodeado de servos e escravos, Jesus revela que seu Deus é um Deus sempre “em saída”, diria nosso Papa, um Deus que toma a iniciativa e vem à procura e ao encontro das suas ovelhas sofridas e perdidas. Na “saída” de hoje ele encontra e ressuscita o filho único de uma pobre viúva.
A narrativa deste milagre tem um objetivo muito claro. Jesus sabia da dificuldade que os contemporâneos e os próprios discípulos enfrentariam para crer nele uma vez que ele era um simples e pobre “nazareno”. Assim, se não conseguissem crer nele pelo menos podiam intuir, através deste sinal, que aí estava o Messias, o Cristo (Ungido) de Deus. Milagre, “miraculum”, é algo que se mostra como digno de admiração, de espanto. Assim, a ressurreição deste jovem, filho único desta pobre viúva irá preparar o coração dos discípulos e do povo para a fé, para o acolhimento de Jesus e de sua mensagem, principalmente da cruz.
2. Ao vê-la o Senhor sentiu compaixão
Quando chegou perto da porta da cidade, estavam levando um morto para enterrar, um filho único, cuja mãe era viúva” (Lc 7, 12). Nessas palavras, vem expressa a intensidade da dor daquela mãe. São Gregório de Nissa captou bem esta dor da mãe em sua intensidade: “era mãe viúva e já não esperava ter mais filhos, nem tinha outro a quem olhar em lugar do que morrera. Somente tinha criado a este, e ele somente era a alegria da casa. Ele só era a doçura e o tesouro de sua mãe”. A atmosfera é, pois, de fragilidade e de ternura. Estamos diante do mistério da dor mais profunda e mais íntima: a dor de uma mãe que perde o filho. E neste caso, uma dor ainda mais radical e íntima por ser a dor de uma mãe viúva que perde o filho único.
Quando o Papa Francisco definiu Deus como “Misericórdia” quis dizer, na verdade, dor, sofrimento. Sim, nosso Deus é um Deus que sofre, que se condói, se compadece. Esta é, certamente, uma das mais belas redescobertas que a Igreja, nós, cristãos, estamos fazendo nesta enriquecedora caminhada de retorno às nossas origens, iniciada pelo Vaticano II. Deus é misericórdia, compaixão! (Cf. Brasão de Armas do Papa Francisco: “Miserando atque elegendo”: “Misericordiando e escolhendo”).
Muitas vezes, não gostamos da dor, do sofrimento porque os entendemos como uma lacuna, uma carência ou negatividade. Por isso, temos dificuldade de aceitar que nosso Deus seja um Deus que sofre. A dor, porém, antes de uma deficiência é soleira, porta, passagem onde o fora se torna dentro e o dentro se torna fora. A dor é travessia, caminho que possibilita o homem atravessar as barreiras do egoísmo de sua subjetividade para entrar em comunhão com o outro. É como a espada que atravessou o coração de Maria, Mãe da Soledade, também ela, na Cruz, mãe viúva de um filho único que morrera.
No santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, às margens do Rio São Francisco, numa gruta escura sob a terra agreste, reverencia-se Maria como a Mãe da Soledade. O povo pobre e simples, que conhece a dor de uma “morte e vida Severina” ali vem para consolar a solidão da Mãe, e para sentir-se consolado, ele também pelo mistério desta solidão, melhor, desta “soledade”: o ser-só, o só-ser, que a dor cria no íntimo do coração humano. O atravessar da dor corta e separa. Nesse cortar e separar, porém, une e recolhe os diferentes na intimidade. Faz o milagre da comunhão. Este é o milagre maior do Evangelho de hoje: a ressurreição para a vida em comunhão com o Pai, com a mãe, e com os irmãos.
Quem se aproxima daquela mãe é o “Senhor”. O “Senhor” (Kyrios) quer dizer, então, não somente o que rege com poder e autoridade, mas o que rege com amor e misericórdia; quer dizer, então, que Senhor é o “Misericordioso”, o “Compadecido”. Desde o advento de Jesus Cristo na carne de nossa humanidade, toda a história humana aparece envolvida na história da compaixão divina: a salvação dos homens.
Compaixão há que ser entendida aqui não como simples pena, dó, mas como amor de misericórdia, isto é, como aquele amor terno em que o homem se deixa atingir nas suas vísceras (esplanchna) pela dor do outro homem. É movido por esta compaixão, que o Senhor diz: “Não chores”: como se dissesse que daqui há pouco tua dor se mudará em alegria. A sua dor seria como uma dor de parto, contudo, a alegria que acompanharia esta dor, seria não a alegria de uma nova vida que vem ao mundo, mas sim a alegria de uma vida renovada que retorna ao mundo.
    3. Jesus toca na padiola do jovem morto
Em seguida, o evangelho diz que o Senhor “se aproximou e tocou na padiola”; então, “os que a carregavam pararam e ele disse-lhe: ‘Jovem, eu te ordeno, desperta’”. Jesus toca a padiola, isto é, ele entra em contato com a mortalidade humana. Toca e se deixa tocar. Mortalidade que ele assumira na encarnação e levara até a consumação na paixão da Cruz. A vida vem ao encontro da morte, diz São João Crisóstomo. A carne da nossa humanidade unida ao Verbo, que dá vida a todas as coisas, se torna vivificadora. Pois, quem a toca é o “o Senhor”, o Deus “que faz viver os mortos e que chama as coisas que não são como se fossem” (Rm 4, 17).
Deve-se notar, porém, que a ressurreição deste jovem é de uma diferença abissal com os prodígios realizados no Antigo Testamento pelos grandes profetas, como o de Elias, narrado na primeira leitura de hoje (1 Re 17) e Eliseu (2 Re 4). Se estes têm de implorar ao Céu vida sobre aqueles mortos, Jesus se apresenta como o próprio Senhor da Vida: “Eu sou a ressurreição e a Vida”. Por isso, em vez de pedir, ele ordena: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te”.
    4.O Jovem
São Gregório de Nissa observa que esta palavra – jovem - é usada para quando o homem está na flor da idade, ao despontar da barba. E completa, designando o jovem como “aquele que pouco antes era a alegria e a doçura dos olhares de sua mãe, a qual suspirava pela alegria dos seus esponsais, e o contemplava como o continuador de sua estirpe, como o rebento de sua posteridade e o báculo de sua velhice”. É a este que Jesus diz: “Jovem, eu te ordeno, desperta”. Eis o sinal de que os tempos messiânicos chegaram e de que não era preciso esperar por outro. Ele é “aquele que vem”. Deus visitou o seu povo com a sua encarnação e Ressurreição e o libertou de todas as suas mortes.
Os Padres e Doutores da Igreja fazem uma leitura, antes de tudo, histórica dessa passagem do evangelho. Beda entende que esta passagem mostra Jesus como modelo de misericórdia. Em segundo lugar, que ela nos dá o motivo para crer na ressurreição. Santo Ambrósio fala de 7 ressurreições antes da ressurreição de Cristo, narrados na Bíblia. A primeira é a do filho da viúva de Sarepta (1 Reis 17), por Elias (cfr. a primeira leitura); a segunda, a do filho da shunamita, por Eliseu (2 Reis 4); a terceira, a ressurreição de um homem ao contato com os ossos de Eliseu (2 Reis 13); a quarta, a ressureição do filho da viúva de Naim, por Jesus (evangelho de hoje); a quinta, a da filha do chefe da sinagoga (Mc 5), também por Jesus; a sexta, a de Lázaro, ainda por Jesus; a sétima, a dos mortos que ressuscitaram no momento da paixão de Jesus (Mt 27). A oitava e última ressurreição é a de Cristo, que prenuncia a oitava idade do mundo, o novo céu e a nova terra. Trata-se, agora, de uma ressurreição indissolúvel e definitiva.
Numa outra perspectiva, os Padres da Igreja fazem uma leitura alegórica-moral. O jovem representa o homem – Adão - morto pelo pecado. A viúva é a Igreja, pois o seu Esposo partiu para o céu. Cada cristão é um resgatado da morte do pecado, pelas lágrimas da Igreja, tornando-se assim um novo Adão.
Numa perspectiva anagógica-mística, porém, a ressurreição do filho da viúva significa a recuperação do entendimento pela alma. A alma, que perdeu o seu esposo, isto é, a Palavra divina, perde também o seu filho, isto é, o entendimento. Quando ela – a alma - se une novamente à Palavra divina o seu filho, isto é, o seu entendimento, ressuscita. Esta perspectiva, que é a de Teofilacto, é também retomada por Mestre Eckhart no 18º dos Sermões Alemães. Eckhart diz:
Era o filho de uma viúva. O marido estava morto e por isso também o filho estava morto. O único filho da alma é a vontade e todas as forças da alma; elas todas são Um no mais íntimo da mente. A mente é o marido, na alma. E uma vez que o marido está morto, também o filho está morto. É a esse filho morto que Nosso Senhor diz: “Jovem, eu te digo, levanta-te!”. A palavra eterna e viva, em que vivem todas as coisas e que todas as coisas conserva, proferiu a vida dentro do morto, “e ele se ergueu e começou a falar”. Quando a palavra fala nas almas e a alma responde na palavra viva, o filho ganha vida na alma (...). Que também nós, assim, cheguemos a responder na palavra eterna. Para isso, ajude-nos Deus. Amém.

Conclusão:
Dois pensamentos e atitudes poderíamos cultivar, principalmente nesta semana:
  1. O jovem do Evangelho de hoje sou eu. A mim, à minha alma, é que o Senhor diz: “Jovem eu te digo: ‘Levanta-te’”.
  2. “Francisco com humildade e ternura visitava as casas dos leprosos, distribuía-lhes generosas esmolas, beijava-lhes as mãos e a boca com grande sentimento de compaixão” (1B 1,6).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini



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