5º domingo da páscoa
24/05/2016
Pistas homiléticas
Liturgia da
Palavra: 1ª
Leitura: At
14, 21b-27; Sl 144;
2ª Leitura: Ap
21,1-5ª; Evangelho: Jo
13, 31-33a.34-35.
Tema
ou mensagem: Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei
Imagem:
Cruz de São Damião (basta buscar no Google com este título)
Sentimento:
A alegria do Evangelho
enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com
Jesus (EG,
1 do Papa Francisco).
Introdução
O
5º domingo da Páscoa retoma e celebra de novo o coração do
mistério pascal expresso no famoso ordenamento de Cristo aos
apóstolos no sermão de despedida na Última Ceia, na véspera de
sua crucificação: amai-vos uns aos outros como Eu vos tenho amado.
Na Cruz a glória de Cristo e do cristão
Na
abertura do evangelho de hoje temos a famosa frase de Jesus,
pronunciada logo após Judas sair do cenáculo para dar andamento à
sua traição: “Agora, o Filho do homem é glorificado” (Jo 13,
31). Não é muito difícil imaginar o alvoroço que este anúncio
deve ter provocado no coração de cada um dos apóstolos. Se esta
era a hora da glorificação do Mestre, certamente seria também a
deles. Em breve seriam elevados a ministros, chefes e governadores de
Israel e, quem sabe, até mesmo de uma boa parte deste mundo.
Sabemos, porém, que eles ainda não estavam à altura de compreender
e de aceitar que Jesus estava falando de outra glória.
Talvez
seja bom, primeiramente, tentar intuir o rico significado deste
termo. Usualmente, entendemos glória como uma realidade estática,
pronta, feita, algo como fama ou prestígio que alguém conquistou ou
recebeu. Como todas as realidades humanas, porém, glória se
constitui a modo de fruto de uma longa história. É o brilho, a luz
da obra, ou melhor, da operação; é o fulgor que vem nascendo, se
revelando, se constituindo e se difundindo e infundindo numa pessoa,
na medida que essa se doa, se entrega na busca de sua identidade,
vocação e missão. Neste sentido é que se fala na glória de uma
mãe, de um professor, etc. Mas, há também a glória do próprio
ser, como tal. Como não admirar, por exemplo, a glória de uma
criança recém-nascida, de uma árvore ou de uma pedra!? Os
salmistas, por exemplo, não cessam de cantar a glória de Deus se
espalhando por toda a terra através das criaturas (Cf. Sl 72,19).
Parafraseando São Boaventura podemos dizer que cada criatura é
glória, brilho, presença de Deus. No Antigo Testamento, a glória
de Deus é o brilho, o esplendor de sua manifestação majestosa, a
irradiação de sua presença magnânima, que se manifesta sobretudo
nas suas teofanias, como algo de numinoso, isto é, enquanto mistério
tremendo e, ao mesmo tempo, fascinante.
A glória de Jesus já vinha
sendo anunciada como o brilho de sua parousía,
isto é, de seu advento, de sua chegada entre os homens, pela
encarnação: “E nós vimos a sua glória; glória essa que, Filho
único cheio de graça e de verdade, ele tem da parte do Pai” (Jo
1, 14). Esta glória do Unigênito, do Filho de Deus, vai se
manifestando cada vez mais intensa e fortemente de várias formas e
em diversas ocasiões, como, por exemplo, nas bodas de Caná, na
morte e ressurreição de Lázaro, na Transfiguração (Lc 9, 28-36),
etc. Mas, para João, o momento da Páscoa de Cristo, de sua
passagem deste mundo ao Pai, pela paixão-morte-ressurreição, é o
momento mais decisivo, o auge de sua glorificação como Filho
do homem que, então,
se revela verdadeiramente, Filho
de Deus (Mc 15,39).
A
Cruz de São Damião, diante da qual Francisco orou e experimentou
sua vocação a reformar a Igreja de Cristo, retrata bem a glória do
Crucificado. O brilho dourado e a luz que circunda o Crucificado e
que envolve os participantes da crucificação comunica, de forma
icônica, esta glória que se dá na cruz. O artista que a criou era
um bom teólogo: percebeu o sentido da glorificação do Crucificado
na própria cruz, segundo a mensagem do Evangelho de João.
Para
João, a Cruz é glorificação do Filho do homem, é o “agora”
escatológico, o auge, o cume de todo empenho de um Deus imortal
fazer-se inteira, absoluta e definitivamente Homem mortal para que o
homem mortal se tornasse imortal; empenho para que também nós
pudéssemos comungar de sua glória de verdadeiros filhos de Deus,
cheios de graça e de verdade.
No novo mandamento do amor o princípio do novo homem e de sua história
Mas,
onde está a novidade deste mandamento? Está no fato de não ser
mais propriamente uma lei mas uma Pessoa - Deus, na pessoa de seu
Filho Unigênito, Jesus Cristo. Assim quando amamos (Deus ou o
próximo) em verdade é Deus quem, em nós ou por nós, está amando.
Isso significa que nós por nós mesmos não somos capazes de amar.
Se amamos, como diz São João, é porque “Ele nos amou por
primeiro” 1Jo 4). Por primeiro não tem sentido cronológico, mas
radical, de raiz. Ou seja, é no amor, que é Ele, que amamos.
“Como eu vos
amei, vós também amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34), significa,
então, amar na união de convivência (koinonia),
de doação, de entrega um ao outro inaugurado por Cristo. Eis o novo
“princípio da estruturação constitucional da Humanidade”
(Harada): o amor (agápe)1.
Eis a nova ”regra” de vida, que se põe como princípio da nova
humanidade; eis a co-missão, isto é, o encargo, a incumbência, a
tarefa por ser realizada, por ser “perfazida” (sentido de entolé
= mandamento) pelos
discípulos de Jesus Cristo, que são associados a Ele na comunhão
(koinonia)
de amor com o Pai.
E
como Cristo amou os homens? “Ele, que amara os seus que estavam no
mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1), isto é, até o sumo, ao
extremo de dar a vida. Perfazer a via excelente deste amor (cfr. 1
Cor 13) é o sentido de ser do viver cristão. Este mandamento novo
tem o poder de criar a nova humanidade. Agostinho dizia: novo é este
mandamento, pois este amor tem o poder de renovar os homens. Com ele
surge “a nova humanidade na “Ternura e Vigor” da Boa Nova de um
Deus cujo amor O fez humano e habitar entre nós” (Harada). Amar
assim, leva-me a amar todas as pessoas e criaturas que encontro no
caminho da vida, especialmente aquela que anda desamparada; é
deixar-se atingir nas próprias vísceras pela miséria do outro
homem, seja de que tipo for esta miséria; é fazer misericórdia
(São Francisco, Testamento); é atender ao mandamento: “Sede
misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).
O centro – sentido – da
História não é, pois, nenhuma ideologia ou visão de mundo,
política ou religiosa, nem o capitalismo nem o socialismo, nem o
judaísmo, nem o “cristianismo”, nem mesmo o “franciscanismo”,
isto é, qualquer “ismo”. É o Homem e, no centro do Homem, Jesus
Cristo, o Summum Opus
Dei (a suma obra de
Deus). É, para Francisco, Jesus Cristo crucificado que todos
os dias se humilha descendo do seio do Pai sobre o altar nas mãos do
sacerdote, a fim de
ser Deus-conosco até o
fim dos séculos (Ad
I). Por isso, ao dizer “Tomai e comei...” Ele está dizendo que é
para tomar e comer seu Corpo, tomar e beber seu sangue, assumir e
encarnar sua pessoa, sua obra, sua história, enfim, toda a sua
Paixão e sua Cruz.
Todos os “ismos”, enquanto e
como tais, na verdade, pervertem o Homem porque o centro de sua busca
não é o Homem, mas o bem reduzido a valor e o valor reduzido a
capital: capital-dinheiro, capital-trabalho,
capital-informação-conhecimento-saber, capital-prestígio e
influência social, etc. O perigo destes valores-capitais é de se
tornarem ídolos, “deuses” que, a exemplo de Mosoc, exigem o
sacrifício do homem. Em vez de o homem se servir deles serve a eles,
escravizando-se a eles e perdendo sua vida nesta escravidão. Deus, o
Pai de Jesus Cristo, é o radical Outro, o oposto: Ele, Deus e Senhor
da vida, se sacrifica, morre na cruz, morre na Ceia eucarística a
fim de tornar-se comida, ser comido, literalmente, pela sua criatura
(Cf. LS 236) para que essa, o homem, aqui e agora e sempre, possa
viver e viver em abundância. Eu
vim não para ser servido, mas para servir e dar a vida em favor de
muitos.
Por isso, a Última Ceia, sempre
foi tida pelos Apóstolos como o núcleo-fonte, a célula-mãe da
Igreja. Não esqueçamos, porém, que no coração da Última Ceia
está a obra da Sexta-feira santa: o mistério do sacrifício de
Cristo na Cruz. Assim, a partir deste Amor, os homens podem amar-se
uns aos outros: os sacrifícios devem dar lugar, agora, à
misericórdia e à caridade evangélica. Assim, fazer comunidade é
fazer eucaristia e fazer eucaristia é fazer comunidade a modo ou no
vigor de Cristo crucificado.
Acerca desse princípio assim se
expressa o Papa Francisco: A
criação encontra a sua maior realização na Eucaristia [...]
quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se comer
pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor
quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não
o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontra-Lo em nosso
próprio mundo. (LS
236).
Por isso, não se pode baratear o
mandamento do Novo Amor – núcleo originário da Última
Ceia-Missa(ão)-Eucaristia-Cruz – pois o que de fato Cristo ordena
é um absurdo, uma coisa bárbara, impossível: amar a Deus e até o
inimigo como Ele ama. Mas, como Ele mesmo diz, o que é impossível
para o homem torna-se possível para Deus.
Conclusão
O
grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta
de bens de consumo, é uma tristeza individualista que brota do
coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres
superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se
fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os
outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já
não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo
de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm
também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas
ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida
digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta
não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo
ressuscitado (EG
2).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e Frei
Dorvalino Fassini
1
Primeiramente precisamos levar em conta que nossa língua não
consegue expressar a riqueza do mandamento do amor de Cristo. Os
antigos tinham uma palavra para expressar o amor familiar (amor
entre familiares), outra para o amor entre amigos, colegas, etc. e
outra para o amor de doação, de sacrifício. Quando a Sagrada
Escritura fala deste amor sempre usa a apalavra grega “agápe” e
o verbo “agapáo” ou a palavra grega “cháris” (daí, em
latim, caritas) e jamais a única palavra, ”amor” ou “amar”,
como nós fazemos. Ora, é evidente que na Última Ceia, Jesus está
falando do amor-doação (agápe) e não apenas do amor entre
familiares ou amigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário