2º domingo da quaresma
21/02/2016
Liturgia da Palavra: Gn 15, 5-12. 17-18; Sl 26(27); Fl 3, 17- 4,1; Lc
9, 28b-36.
Mensagem ou Tema: A transfiguração de Cristo, princípio da
transfiguração universal.
Imagem: Cruz levada em procissão e colocada num lugar de
honra.
Sentimento: júbilo pela sonhada e desejada transfiguração
do homem e da criação que se inicia com a Cruz.
A quaresma é um tempo para, sempre de novo, aprender de Jesus a
carregar a sua cruz como Ele aprendeu a carregar a nossa. Pois na
Cruz está o princípio, a semente que deu origem à nova humanidade,
à nova criação, denominada por São João como novo céu e nova
terra. Graças a este princípio, também nós viemos a ser de fato
“Filhos muito queridos do Pai!”
Para celebrar, de novo, este princípio e imbuir-nos da alegria e do
vigor de sua presença e operação, eis o sentido da liturgia deste
Domingo
- Um Deus sedento de aliança
O princípio deste princípio, porém, veio sendo preparado e
conduzido dentro de uma longa história denominada “aliança
abraâmica”, estabelecida outrora por iniciativa do Senhor com seu
servo, o patriarca Abrão; uma aliança que perpassa todos os ciclos
da história de Israel, recheada de fidelidades e infidelidades e que
a conhecemos também como “Testamento” 1
O coração desta aliança, tem sua origem numa misteriosa afeição
que leva Deus e Abrão a um encontro de profunda intimidade,
identificação, comunhão e responsabilização; uma afeição
celebrada através de um pacto e selada com um sacrifício recheado
de júbilo e promessas: “Abrão teve fé no Senhor....” e o
Senhor, por sua vez, promete-lhe não apenas terras e uma
descendência tão numerosa quanto o número das estrelas, mas a
condição de ser no mundo o seu servo.
Nós conhecemos um pouco as alianças políticas ou econômicas. Há,
porém uma diferença enorme, substancial entre essas e a aliança
abraâmica. Enquanto naquelas a prática é sempre salvar a economia,
a política em detrimento das pessoas, na primeira, ao contrário, a
preocupação e a paixão é sempre pelas pessoas. Por isso a SE
busca outras imagens para expressar a riqueza da intimidade pessoal
dessa iniciativa de Deus como, por exemplo o relacionamento Pai-filho
(Jeremias) e Esposo-esposa (Oséias).
Por isso, reduzir a fidelidade e a obediência da aliança abraâmica
a um cumprimento de obrigações meramente legais, como fizeram e
fazem os fariseus de ontem e de hoje, a um frio e interesseiro
mercantilismo religioso, corrompe e deturpa pela raiz essa que é a
mais bela expressão de amor e de compaixão entre Deus e as pessoas.
- A Transfiguração de Cristo princípio da transfiguração da Humanidade e da Criação
A aliança antiga de Deus, iniciada outrora através de seu servo
Abraão, precisava ser levada ao seu sumo, à sublimidade. Por isso e
para isso “o Verbo de Deus se fez carne e veio morar
definitivamente entre nós” (Jo,1,14). É dentro desse esforço que
se dá o milagre da transfiguração.
O que outrora aconteceu no monte Tabor guarda um dos segredos mais
significativos da vida de Cristo e de nós cristãos. Por isso, ele
mereceu ser celebrado também com a festa da “Transfiguração do
Senhor”, em 06 de agosto.
“Jesus subiu à montanha para rezar”. Isto se tornara um costume
para Jesus. Mas, desta vez, havia um motivo especial: a proximidade
da “Hora da Cruz”, a hora de sua “glorificação”. Mais do
que nunca Jesus precisava do Pai. Isto significa que antes dos
Apóstolos, quem precisa enfrentar a tentação e o escândalo de um
Messias político, prestigioso e poderoso é o próprio Senhor. Antes
que os Apóstolos, ele mesmo é quem precisava de iluminação,
força, ânimo, fé e coragem.
Tanto Ele como os seus precisavam de fé e iluminação para assumir
o que estava para acontecer; tanto Ele como os seus não podiam
tropeçar de vez nesta hora decisiva; tanto Ele como os Apóstolos –
a Igreja e nós - precisavam ser confirmados na fé de um Messias que
se alia, se une ao homem pelo mistério luminoso, admirável,
deslumbrante e fascinante da Cruz. A glória que brota do corpo de
Cristo neste dia da transfiguração é a mesma que, escondida na
tarde da sexta-feira santa, irromperá com todo seu esplendor na
madrugada da Ressurreição. Era esse mistério que Ele e os
Apóstolos deviam, precisavam ver, sentir e contemplar.
Assim, por uns instantes, foi dado a Jesus e aos seus amigos mais
íntimos, saborear o princípio originário da nova Aliança, da nova
criação: a Cruz, no âmago da qual se reflete o rosto de um Pai
rico em misericórdia (Ef 2,4) que a todo custo deseja e tudo faz
para viver e conviver com cada um de seus filhos muito amados.
- Os demais personagens da transfiguração
Complementam o milagre da transfiguração personagens da Antiga e da
nova Aliança.
Da antiga temos Elias e Moisés. Ambos foram glorificados à medida
que participaram da obra de Deus (Ex 34, 29-35; 2 Cor 3, 7-11) e
voltaram para Deus de modo misterioso (Dt 34, 5-6; 2 Rs 2, 11-12).
Eles prenunciam a glória definitiva, que será dada a todos os
justos no mundo vindouro, glória que os mortais que cooperam na obra
de Deus recebem por participação e que Jesus tem por natureza,
enquanto Filho Unigênito do Pai (cfr. o prólogo de João).
Glória é brilho, esplendor que vem de dentro, da caminhada, da
busca e do ser da pessoa. Moisés e Elias representam, segundo
Tertuliano, o testemunho da Lei e dos profetas. Representam o que há
de mais admirável e exemplar na luta pela fidelidade à Antiga
Aliança por parte de toda a descendência de Abraão.
De que falavam Moisés e Elias? Marcos e Mateus não o dizem. Lucas
diz: eles falavam a respeito do êxodo (Éxodos) de
Jesus, A palavra grega “Éxodos” é traduzida para o latim
como “excessus” e significa partida, saída, retirada,
morte, abandono, afastamento. Depois, no famoso discurso de
despedida, Jesus instrui os discípulos sobre a necessidade de sua
partida, usando esta palavra “excessus”. Em outras
palavras, Ele precisa sair deste mundo para que venha o outro
Paráclito, o Espírito Santo. Moisés e Elias prenunciam, assim, a
morte de Jesus. Não será uma morte-morte, mas um desaparecer, um
desprender-se para viver de modo escondido (“Deus absconditus”).
Enfim, será um perder cada dia sua vida para salvá-la.
Depois vêm os três Apóstolos. Pedro é aquele que confessou Jesus
Cristo como o filho do Deus vivo, confissão que se tornou o
fundamento da Igreja; aquele que foi escolhido por Jesus para ser o
primeiro entre os Apóstolos (primus inter pares). Já Tiago
foi o primeiro apóstolo a derramar o seu sangue como mártir em
Jerusalém; e João, foi o discípulo amado e o teólogo do Verbo
encarnado. As primícias da Igreja, portanto.
Segundo Lucas, Jesus, enquanto rezava mudou de aparência (Lc
9,29). Não é difícil ver nesta constatação, juntamente com a
brancura fulgurante de sua veste, o sentido apocalíptico, isto é, o
que vai acontecer com Jesus e com toda a humanidade. Diante dos seus
discípulos, a sua forma humana, por um momento, se altera tomando o
aspecto de um ser celestial, próprio do mundo transfigurado. É a
antecipação e a garantia da realidade escatológica. É a
manifestação do “filho do homem” e da glória de seu reino
(cfr. Lc 9, 27). Nele está ancorada a esperança da salvação
definitiva dos homens. A meta de seu caminho, através da paixão e
da morte, está na glória da ressurreição, em que ele se apresenta
como o consumador da obra da salvação da humanidade inteira e do
universo inteiro com ela. Já agora Cristo, o Verbo (Lógos), é a
luz que ilumina todo o homem, que vem a este mundo (cfr. o prólogo
de João). Luz que tem seu brilho maior e definitivo na Cruz.
Conclusão
Fazer brilhar a glória, o júbilo da Cruz de Cristo, eis o coração
de toda a evangelização cristã. Disto ela jamais deverá se
envergonhar como nos alerta São Paulo: Já vos disse muitas
vezes, e agora repito chorando: há muitos aí que se comportam como
inimigos da cruz de Cristo (Fl 3,18). E nosso Papa: Sem
a cruz podemos ser tudo: bispos, religiosos, papas, padres, mas
jamais seguidores de Cristo, muito menos de Cristo pobre e
crucificado (Cf.
Homilia na santa missa com os cardeais, 14 de março de 2013).
“Misericordes sicut Pater!”
Marcos Aurélio Fernandes e Frei
Dorvalino Fassini.
1
A expressão b’rit hadashah foi traduzida para o grego como
kainé diathéke, nova disposição, novo ordenamento, nova
constituição; e, para o latim como “novum testamentum”:
novo testamento. Os escritos que recordam a Nova Aliança de Deus
com toda a humanidade, selada no sangue de Cristo, são reunidos no
cânone da Igreja sob o título de Novo Testamento.
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