Frei Dorvalino Fassini, OFM
A cada página da Evangelii Gaudium somos surpreendidos com belas e animadoras exortações como essa referente ao uso da “via da beleza” na evangelização, principalmente na catequese. “Anunciar Cristo, diz o Papa, significa que crer Nele e segui-Lo não é apenas verdadeiro e justo, mas também belo... [...]. Não se trata de fomentar um relativismo estético [...] mas de recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado” (EG 17).
Ao evocar o cuidado da beleza como elemento constitutivo da catequese e da evangelização o Papa está nos remetendo simplesmente à nossa origem. Pois, no dizer de Santo Agostinho, Deus nosso Pai é Beleza: “Tarde te conheci, tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!” (Santo Agostinho).
Na verdade, as criaturas todas, entre elas especialmente o homem, são uma superabundância gratuita da Beleza originária como se pode ver na narrativa da criação. A cada criatura que surgia do nada, Deus parava, contemplava e exclamava: “Ó, como és bela!” E quando surge o homem, então, comovido, exclama: “Ó, és muito belo!” O grego expressa esse sentimento com a palavra kalós que significa realmente “belo”, mas que por extensão pode significar também “bom” como a maioria dos tradutores, de fato o fazem.
E se é belo todo o homem, de que beleza não será o Filho do homem por excelência, Aquele que foi prometido e enviado ao mundo para ser o novo Adão, Aquele do qual o salmista já proclamava: “és o mais belo dos homens, de teus lábios flui a graça; por isso Deus te abençoou para sempre” (Sl 45,3)!
Quem se extasiava até o fundo da alma diante desse divino espetáculo – a encarnação - era São Francisco. Depois de ter recebido os estigmas de Cristo no monte Alverne, como um enamorado apaixonado, vivia exclamando: “Tu és Beleza! [...] Tu és Beleza!” E comenta São Boaventura: “contemplava nas coisas belas o Belíssimo e, seguindo o rastro impresso nas criaturas, buscava por todo o lado o Dileto” (LM IX,1, 7)
De fato, Jesus encanta, atrai e cativa não apenas pelo conteúdo de seus atos, de sua fala, nem apenas pela sua bondade, pela simplicidade de suas palavras, pela clareza de sua linguagem e de suas parábolas, pela pureza de suas atitudes e gestos, mas acima de tudo pela formosura, valência, estimabilidade, preciosidade e transparência de sua pessoa divina e humana. Por isso, como diz Santa Clara, Jesus é o verdadeiro espelho do homem.
Se foi pela beleza que evangelizou nosso Mestre outro não pode ser o caminho de nossa evangelização. Primeiramente precisamos zelar pela beleza de nossa identidade, de nossa alma cristã, de filhos do homem e filhos de Deus; uma beleza que deve transparecer no cuidado pelo nosso modo simples e correto de falar bem como na busca de atitudes e gestos bem medidos em relação a Deus e ao próximo; pelo uso de vestes simples, limpas e bem confeccionadas etc.
Reportando-nos ainda ao momento da criação devemos notar uma grande diferença entre o homem e as demais criaturas. Todas são belas e chamadas a serem belas, mas só o homem é chamado, também, a ser artífice, isto é, fazedor de beleza. Com, efeito, depois de haver sido criado à imagem e semelhança de seu Criador, o homem é chamado a ser o guardião, o cuidador, o artífice de si mesmo e de todo aquele magnífico e admirável universo que o circunda. A primeira vocação do homem, portanto, não é propriamente ser bom, mas artista, isto é, fazedor do belo. E quem faz o belo proclama sua origem: o Belo de todos os belos.
Infelizmente, nas últimas décadas, a fim de libertar a pastoral e a evangelização, principalmente a liturgia, de um esteticismo vazio e exibicionista, muitas vezes, jogaram-se para a lixeira do menosprezo quase todas as iniciativas e disciplinas referentes ao cultivo do belo. Tudo, desde o cultivo de uma boa linguagem, de uma pronúncia correta, de cantos bem afinados, gestos e atitudes bem comedidos, ambientes, arranjos, imagens, pinturas e vestes bem confeccionados, limpos e bem arrumados, tudo, enfim, passou a ser visto e tratado como ostentação luxuosa e desnecessária.
Um cristão consciente dessa sua nobre vocação e missão procurará libertar-se aos poucos desse relaxamento grosseiro que tem, muitas vezes, como origem uma preguiça mental, a ânsia de uma popularidade fácil, bem como a busca de uma glória efêmera e interesseira. Saberá que a beleza eleva, arrasta e comove muito mais que qualquer outra virtude, mais, até mesmo, que a caridade.
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