30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
23 de outubro/2016
Pistas homilético-franciscanas
Liturgia da Palavra: Eclo 35,
12-14.16-18; Sl 33
(34); 2Tm 4,
6-8. 16-18; Lc 18, 9-14.
Tema-mensagem: Humildade caminho
por excelência do encontro e do amor
Sentimento: Humildade
Gesto: Bater no peito no Ato penitencial
Introdução
Depois de ter-nos dito e ensinado que devemos
rezar chamando sempre seu Pai de “Nosso Pai” (Lc 11,1-2), hoje,
Jesus vem ao nosso encontro para nos ensinar e fortalecer os passos
que devemos encetar na busca de uma oração pura e verdadeira. Para
isso vai nos contar a parábola do “fariseu e do publicano que
subiram ao templo para orar”.
1. Dois
homens antagônicos
A parábola tem um endereço muito certo:
“alguns que se vangloriavam como se fossem justos e desprezavam os
demais”. Mais que uma comparação, a parábola é a proposição
de um exemplo: o que se há de evitar e o que se há de imitar,
quando realmente queremos rezar, isto é, quando queremos acolher
Deus em nossos corações e em nossa vida: evitar a soberba e
imbuir-nos de humildade. A parábola é como uma flecha zunindo.
Passa rente. Seu soar, porém, provoca o ouvinte não apenas a
pensar, mas também, à advertência, à admoestação acerca de seus
convencimentos, seguranças, acerca de sua justiça e de seu desprezo
dos outros, enfim de sua soberba. Tanto o fariseu como o publicano,
sobem ao templo para orar. Mas a oração de um e de outro nasce de
fontes bem diferentes. Se no fariseu a oração brota da soberba, no
publicano nasce da humildade. Se no primeiro a oração é para
autojustificar-se diante de Deus, no segundo ela nasce da necessidade
de receber o perdão de Deus, perdão que torna justo o pecador. Só
este caminho – o da humildade – é capaz de acolher o amor e
levar as pessoas à doçura do encontro, sentido primeiro, único e
último da oração.
A soberba é, certamente, o vício que
está na raiz de todos os vícios como a humildade está na raiz de
todas as virtudes. Acerca dessa realidade assim se expressa o mestre
frei Egídio, companheiro de São Francisco: “Todos os perigos e
todas as grandes quedas que aconteceram no mundo, não aconteceram
senão através da elevação da cabeça, assim como se manifesta na
queda daquele que foi criado no Céu, e em Adão e no fariseu do
Evangelho e em muitos outros. E todos os grandes bens que
aconteceram, foram feitos pela inclinação da cabeça, como se
manifesta na Bem-aventurada Virgem, no publicano, no santo ladrão e
em muitos outros” (DE IV).
Enquanto a primeira poderia ser considerada
como a resposta do homem da Lei, do Antigo Testamento, a segunda
expressa a resposta do homem novo, nascido da graça da doçura do
encontro com Jesus, princípio da Nova Aliança.
2. Os
dois modos de rezar
Quem seriam estes dois homens? O fato do texto
não identificá-los significa que, antes de dois indivíduos o
evangelista quer nos revelar dois modos de orientar e conduzir nossa
resposta Àquele que muito nos amou. Em outras palavras, cada um de
nós pode ser fariseu e publicano ao mesmo tempo. Por isso, além das
palavras com as quais os dois rezam importa que prestemos atenção
no modo como o fazem.
a. O
fariseu
O fariseu, tomado pelo fogo da vaidade e pelo
impulso da presunção, rezava ofendendo a Deus, aos demais homens e
ao publicano.
No fundo, o fariseu não rezava, não
conversava com Deus, face a face, mas “consigo mesmo”. Sua oração
é ego-centrada, autoreferencial. Uma idolatria de si mesmo.
Agradece, sim a Deus, mas seu agradecimento está cheio de si, de
autossuficiência, de autojustificação, de exibicionismo. Ele se
autocompraz com o espetáculo de sua justiça e piedade. Nele, não
se encontra a abertura, o espaço, o vazio para receber. Está tão
cheio de si que não tem nada a rogar, nada a pedir, nenhum pecado e
confessar. Ele não precisa dizer, todos os dias, como diz o original
latino: “despacha as nossas dívidas, assim como nós despachamos
as dívidas de nossos devedores”. Ele não deve nada a Deus. Acha
até, pelo contrário, que Deus é seu devedor, pois que sempre
cumpriu direitinho suas leis: nunca deixou de pagar o dízimo, de
fazer suas orações, suas “caridades”, seus jejuns, etc.
Por isso, “rezava de pé”.
Além de ofender a Deus, o fariseu também
insulta os demais homens porque dá graças a Deus por não ser como
eles, “que são ladrões, malfeitores, adúlteros”. Segundo
Agostinho a presunção dele é tão grande que ele considera todos
os homens como pecadores, exceto ele. Todos os homens estão
corrompidos. Ele é o único probo, íntegro, reto, puro, justo. São
Gregório, por sua vez, dá alguns sinais que nos ajudam a perceber
quando o homem é tomado pelo inchamento da mente que é a soberba:
quando ele crê que o bem nasce exclusivamente dele mesmo; quando
atribui os bens aos próprios méritos e não à graça de Deus;
quando disso se autoelogia e se gaba; quando, com esses bens, quer
aparecer diante dos outros, diante de Deus e diante de si mesmo como
se fossem seus.
Finalmente, o fariseu não ofendia somente a
Deus e os ausentes, mas também o próximo, o publicano. Os
pensamentos dele “eu sou único!”, “este publicano é
como os demais!” eram como se metesse a mão na ferida aberta do
pobre publicano. Ora, imaginemos o quanto não devia sentir-se
rebaixado o publicano escutando a prece deste fariseu. Há uma máxima
que diz: não ponha a mão na ferida de alguém, a não ser para
curá-la. O fariseu, ao contrário, põe a mão na ferida do
publicano não para ajudá-lo a se salvar, mas para afundá-lo ainda
mais na sua miséria. O soberbo, em sua petulância, é um
caluniador, e é, ao mesmo tempo, um menosprezador do seu próximo.
b. O
publicano
Outro, bem outro, é o modo de se aproximar de
Deus por parte do publicano. Movido pela humildade e pela contrição
do coração, aproxima-se com verdadeira piedade. Ele, que ficara
preso às coisas da terra, amando mais aos bens deste mundo,
considerando-se indigno nem sequer ousa olhar para o alto. Ao
contrário, bate no peito, não apenas porque do seu coração saíram
tantos maus pensamentos e maldades, mas, também, para tentar
acordá-lo da letargia em que os vícios o mergulharam. Em vez de se
louvar diante de Deus, se penitencia e roga a misericórdia: “sê
propício a mim, pecador”. Não se irrita com a presunção do
fariseu. Uma vez que sua ferida ficou exposta aproveita a ocasião
para apresentá-la ao divino Médico, pedindo-lhe a cura, a salvação
e a restituição da saúde de sua alma.
Fazendo eco à humilde oração deste
verdadeiro fiel, assim canta o salmista de hoje: “O pobre clama a
Deus e Este o escuta! [...] Minha alma se gloria no Senhor; que ouçam
os humildes e se alegram!” O mesmo sentimento encontramos no
Magnificat de Nossa Senhora: “A minha alma engrandece o Senhor...
porque olhou para a humildade de sua serva...”. Também a primeira
leitura de hoje nos conduz para dentro do mistério do nosso Deus que
não aceita as orações e as oferendas dos soberbos – que parecem
querer suborná-lo – mas que acolhe de preferência a oração dos
humilhados e dos fracos, a saber, do pobre, do órfão, da viúva.
Estamos, aqui, diante dos anaviîms,
os pobres, os humildes de Deus; dos anieh
rouah, os “humilhados do espírito”
cuja presença perpassa todas as páginas da Sagrada Escritura. O
sopro da liberdade jovial de Deus, o Espírito, vem ao encontro dos
humilhados como misericórdia,
ou seja, como amor fiel,
entranhado, visceral, matricial, que se con-descende e se com-padece
e, assim, liberta. Deus se mostra
receptivo aos humilhados, tratando-os com ternura e compaixão. O
humilde, o humilhado, é chamado, em grego, “tapeinós”
(pobre). É o “pequenino” que, curado de seu ressentimento, vive
concentrado na finitude da vida, contentemente, alegremente, “doado
à tarefa do aqui e agora” (HH). É para estes que o olhar de Deus
se volta, de modo a se comprazer.
A parábola, diz-nos Agostinho, mostra como o
Juiz deixa ir embora o acusador soberbo sem justificação e absolve,
isto é, declara justo, o réu confesso, isto é, o pecador que se
humilhou com a sua confissão. O primeiro tinha se justificado a si
mesmo. Por isso, não podia ser justificado por Deus. O segundo,
confessou sua injustiça, e, por isso, pôde ser tornado justo por
Deus. São João Crisóstomo, por sua vez, diz que nesta parábola
aparecem dois carros com dois condutores. Enquanto o carro da justiça
é guiado pela soberba, o carro do pecado é guiado pela humildade. A
soberba põe a perder a justiça. A humildade supera o peso do
pecado, e reconduz o pecador ao lugar da salvação.
3. Soberba
caminho para o inferno humildade caminho para o Céu
Jesus termina a parábola dizendo: “todo o
homem que se eleva será rebaixado, mas quem se rebaixa será
elevado”. Nós costumamos interpretar este dito do Senhor na
dinâmica do comércio, como se à humilhação seguisse o
merecimento da exaltação e como se à exaltação seguisse o mal da
humilhação. Mas, e talvez, possamos interpretar o dito da seguinte
maneira: a humilhação da humildade é, ela própria, elevação e
enobrecimento enquanto que a elevação da soberba é, ela própria,
degradação e envilecimento. É que o humilde, pela própria
humildade, mostra grandeza e nobreza, enquanto o soberbo, pela
própria soberba, mostra baixeza e vileza. Trata-se do mesmo
princípio que rege a relação da Ressurreição com a Cruz. Cristo
não precisou da Ressurreição para provar sua glória porque na
própria Cruz Ele tem sua grandeza, sua glória, sua alegria. A
humildade, com efeito, dá à alma humana uma magnanimidade que a
eleva para a semelhança de Deus, a humildade em Pessoa. Por isso,
humildade é grandeza. Só os grandes, sábios e nobres podem ser
humildes e só os humildes são os verdadeiramente grandes, sábios e
nobres. E o são porque eles dominam as tristezas, suportam as
tribulações com fortaleza, desprezam as vaidades terrenas e
apreciam as verdades celestes. Enfim, grandes são os humildes
porque, junto com o Humilde dos humildes – Jesus Cristo crucificado
– carregam e guardam para si os pecados do mundo. A soberba não é
grandeza de alma verdadeira porque o homem se rebaixa tornando-se
escravo de suas próprias ilusões. Confundir a grandeza e a nobreza
de alma com a soberba é como confundir a robustez do corpo sadio,
diz São Basílio, com a obesidade de um corpo hidrópico.
Nos Fioretti de São Francisco, se narra um
episódio muito gracioso. Frei Masseo ouvindo falar da grandeza e da
beleza da humildade, jurou lutar por conquistá-la. Nesta luta, ele
desesperou, pois entendeu que a humildade não poderia nunca ser uma
conquista de seu eu. Então, no auge do seu desespero, apareceu-lhe o
Cristo. Este o perguntou-lhe o que ele daria para receber a
humildade. Masseo respondeu: as meninas dos meus olhos. E Cristo,
então, graciosamente, disse-lhe como num gracejo: “Fica com as
meninas dos seus olhos, e recebe de mim a humildade de graça”. A
partir de então, imitando o arrulho de uma pomba, passou a orar
sempre na doçura desta graça.
Conclusão
A humildade é caminho claro de ascensão da
alma para Deus e de comunhão com Ele, com os homens e com todas as
criaturas > Céu (Cf. LS 66). A soberba, ao contrário, é caminho
de rebaixamento para os abismos escuros da miséria do isolamento de
si e em si mesmo > Inferno. Por isso, diz o salmista: a melhor
oração não são nossos sacrifícios, mas, antes, um espírito
contrito, um coração arrependido e humilhado. Eis o que o Senhor,
jamais haverá de desprezar (Sl 50,19).
Foi esta virtude que elevou o humilíssimo
Francisco para o alto e a fixar sua morada em Deus; foi esta virtude
que o levou, pela compaixão, a transformar-se em Cristo e pela
condescendência a inclinar-se reverentemente para o próximo,
principalmente, para o leproso e para todas as demais criaturas.
Enfim foi esta virtude que o levou para o estado da inocência
original (Cf. LM 8,1 e LS 66).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Doralino Fassini.
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