Frei Dorvalino Fassini, OFM*
Na Sagrada Escritura as palavras, os fatos, o tempo, etc. são realidades teológicas e não apenas históricas ou cronológicas. Isso significa que não estão na dinâmica das ocorrências (coisas que correm e passam), mas de Deus, ou seja: atrás de cada uma delas está (“é”) Deus atuando e falando. São tentativas infinitas e às vezes quase que “desesperadas” ou “loucas” de Deus para encontrar e amar o homem.
O mesmo acontece na Liturgia ou no ano litúrgico. Assim, no Tempo da Quaresma-Páscoa não estamos lembrando fatos, ocorrências do passado, mas celebrando sempre e de novo a experiência da grande Paixão de Deus para conosco. Em outras palavras, com esse Tempo se quer de novo e sempre melhor ver, conhecer e sentir a presença e a atuação na vida de cada um de nós e no mundo do insondável mistério da Paixão de Cristo.
Todos nós sabemos que paixão é coisa muito séria e forte. É uma força que pode tomar conta e dominar inteiramente a pessoa. Um apaixonado é capaz de matar e de morrer por causa da pessoa amada. É o que acontece com Jesus Cristo. Para ele somos tão queridos, tão amados, tão preciosos para seu Pai que viver e morrer na Cruz por Ele e por nós é sua glória, sua honra, sua alegria, seu júbilo e “prazer”: sua Paixão.
Por isso, também, nesse tempo de Quaresma-Páscoa, a Liturgia toda sempre nos convoca a que não fiquemos insensíveis a tão entranhada e inaudita Paixão, mas que a ela nos convertamos e por ela façamos penitência. Nesse sentido São Francisco é um exemplar número um. Pois, logo após o encontro com o Crucificado de São Damião, quando se sentiu profundamente tocado e comovido a ponto de chorar em alta voz, perguntado por que estava chorando, respondeu: Choro a Paixão do meu Senhor e não devo envergonhar-me de andar pelo mundo inteiro chorando em alta voz.
Esse episódio serve para compreendermos, também, o sentido da nossa penitência quaresmal ou cristã. A penitência que nós cristãos fazemos, principalmente na Quaresma, vem do Evangelho. Por isso não se restringe aos jejuns, às abstinências e demais sacrifícios corporais ou espirituais. Poderíamos dizer que sua essência, sem a qual todas essas práticas são de pouco ou nenhum valor, consiste numa certa dor que invade nosso coração quando nos damos conta do quanto somos insensíveis e grosseiros com Aquele que nos amou tanto, esquecidos Daquele que nos ama com tanta Paixão.
Sim “chorar”, interior e exteriormente, como Francisco, proclamando que Deus é tão bom, a ponto de nos dar seu Filho único até a morte e morte de Cruz eis a razão primeira e última de todo esse tempo da Quaresma e da Páscoa; eis o sentido desse tempo de penitência e conversão, bem como de todas as penitências ou sacrifícios de nossa vida de cristãos, inclusive e principalmente quando celebramos o Sacramento da Penitência.
É para esta penitência que a Igreja, através da Campanha da Fraternidade, nos convoca proclamando que não podemos servir a Deus e ao dinheiro e muito menos querer agradar a dois senhores. Certamente, se quisermos ser sinceros, aqui, neste ponto, temos muita penitência, muita conversão a fazer, muita dor a sentir em nossa alma. É só olhar como e o quanto estamos presos, amarrados e por vezes escravos, dos bens perecíveis, sem importância, e esquecidos dos bens que não perecem. Tanto faz se esses bens são materiais, morais ou espirituais, como comida, dinheiro, casa, carro, elogios, críticas, fama ou santidade, etc. Tudo isso passa, a única coisa que perdura é a Paixão do Senhor para conosco, ou como diz São Paulo, o Amor, a Caridade de Deus, ou que é Deus.
* Assistente Espiritual da Frat. N. Sª dos Anjos da PorciúnculaFoto: HeartBroken-Tears are the Baptism of Soul / honikum. 2006. Disponível em http://www.flickr.com/photos/87128018@N00/139136870 acesso em 7 abr. 2010.
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