segunda-feira, 3 de outubro de 2016





SOLENIDADE DE SÃO FRANCISCO

4 de outubro de 2016
Pistas homiléticas

Liturgia da Palavra: Eclo 50,1.3-7; Sl: 15,1-2a.5.7- 8.11; Gl 6,14-18; Mt 11,25-30

Tema-mensagem: São Francisco mestre na restauração da Igreja, da humanidade e da criação
Sentimento: gratidão e alegria


Introdução
Como no passado, também hoje, a Igreja precisa ser renovada, a humanidade restaurada e a criação amada, protegida e defendida. Mas, quem nos servirá de exemplo e modelo, quem será nosso mestre nesta ingente e urgente missão (LS 10)? “São Francisco de Assis!”, responde nosso Papa. Na alegria e no júbilo façamos, pois a memória deste mistério!

1. Começar por onde ele começou
Fazer de São Francisco modelo e exemplo de restauração, significa acolher sua inspiração originária e o vigor de sua obra renovadora e não ficar apenas contando seus feitos, suas vitórias e glórias. Por isso, precisamos começar por onde ele começou e não por onde ele terminou.
Segundo os biógrafos, desde cedo ardia em Francisco o desejo de tornar-se grande, ilustre, conhecido e valioso para si e sua cidade, sua gente. Através de um misterioso sonho, porém, sentiu-se chamado a trocar os senhores deste mundo pelo “Senhor” de todos os senhores (Cf. LTC 6). Posteriormente, na capelinha de São Damião, este Senhor revelou-se em toda a sua plenitude convocando-o a tornar-se seu companheiro na vocação e missão: “Francisco, não vês que minha casa está se destruindo? Vai, pois, e restaura-a para mim” (idem, 13).
Desde então, o júbilo, a alegria deste encontro e desta missão passou a ser a luz de sua vida, a alma de todos os seus empreendimentos, como nos relatam seus biógrafos: “Desde aquela hora, seu coração de tal modo ficou ferido e derretido ante a memória da Paixão do Senhor, que sempre, enquanto viveu, levou em seu coração os estigmas do Senhor Jesus, como posteriormente apareceu claramente pela renovação dos mesmos no seu corpo, admiravelmente realizados e clarissimamente demonstrados” (LTC 14). São Boaventura também nos conta como o grande Papa Inocêncio III viu no Pobrezinho de Cristo o cumprimento de um sonho. Num sonho, o Pontífice vira a basílica do Latrão “prestes a ruir. Mas, um homem pobrezinho, pequeno e desprezado a sustentava, com as próprias costas por baixo para não cair”. E conclui São Boaventura seu relato atestando que o Pontífice, ao ver este pobre, Francisco, disse: “é este, na verdade, aquele que sustentará a Igreja de Cristo com obras e doutrina” (Legenda Maior c. 3, n. 10).
Por isso, a primeira leitura de hoje, com justiça, coloca Francisco na companhia do grande Simão, um importante sumo sacerdote que em seu tempo comandou a restauração do Templo e fortificou a cidade de Jerusalém. Assim, a exemplo daquele homem de Deus, também Francisco aparece a nossos olhos “como a estrela da manhã no meio da nuvem, como a lua nos dias em que ela está cheia, como o sol resplandecendo sobre o Santuário do Altíssimo, como o arco-íris brilhando entre nuvens de glória” (Sirac 50, 6-7).
Comentando esta passagem, o dominicano Mestre Eckhart diz que este “como” deve ser entendido como um advérbio, isto é, como o “modo de ser de quem está junto do verbo”. E lembra que na Sagrada Escritura Jesus Cristo é chamado de o Verbo por excelência: “no princípio era o Verbo” (Jo 1, 1). Daí, então, ele tira uma lição muito bela e importante para nós: todo cristão deve ser um advérbio, isto é, uma palavra que vive junto do Verbo. Alguém que, aos poucos, através de seu seguimento busca encarnar o “como” de Cristo, ser “da mesma forma que” Cristo, “do mesmo modo que” Cristo. E quem, depois de Nossa Senhora, mais e melhor percorreu este caminho e alcançou a “perfeita alegria”, isto é, o máximo de restauração e realização humana senão Francisco?!
A mesma lição nos é dada pela “estrela matutina”, que é a mesma “estrela vespertina”. E, de novo, Mestre Eckhart comenta: Mais que todas as estrelas, esta estrela está sempre igualmente próxima do sol; nunca está mais distante ou mais próxima do sol, nem mais nem menos. Ora, não foi assim com Francisco?! Ele foi o que seu nome, “Francisco”, diz: um homem “franco” (“Francisco” vem de França > francês > franco) isto é, franqueado, desimpedido, desprendido, livre. E toda a sua liberdade se consumou em desvencilhar-se do mundo e de seus senhores para estar tão só e unicamente vinculado, preso a Cristo e sua missão pelo amor ardente, semelhante ao ardor dos serafins. Assim, Cristo, o Homem perfeito, o Homem de todos os homens, o Senhor de todos os senhores, o único Homem confiável, era o sol que iluminava e acalentava Francisco na busca de seu novo humano; o humano que se estende a todos os homens e, até mesmo, às mais ínfimas criaturas a ponto de chamá-las de “irmãos” e de  “irmãs”.

2. Mensageiro das odoríferas palavras do seu Senhor
Assim, Francisco pela sua familiaridade com Cristo tornou-se pleno de Deus, pleno de sua claridade e de sua força passando a sentir e a ver também cada criatura como sendo plena, cheia de Deus. Por isso, “quem nada mais conhecesse a não ser as criaturas não precisaria pensar em nenhum sermão, pois toda criatura é plena de Deus e é um livro”, diz o mesmo Mestre.
Era assim que Francisco ouvia e lia a Palavra de Deus: o Verbo incriado, no qual todas as coisas foram criadas; o Verbo encarnado, no qual tudo foi santificado; o Verbo crucificado, no qual todas as coisas foram reconciliadas: o céu e a terra, o invisível e o visível. Mergulhado em Deus, através de Jesus Cristo crucificado, Francisco sentia e via todas as criaturas como crias e crianças de Deus. Estando do outro lado do mero uso, do mero consumo ou utilidade das coisas, ele as sente e vê como crianças partindo da sua origem - o Pai comum – como meninos e meninas a sair de seu lar familiar. Por isso ele brinca, se encanta e canta com cada uma delas chamando-as de “meu Irmão Fogo”, “minha Irmã Água”, etc. É desta assemelhação que fala São Paulo na segunda leitura: “quanto a mim, não pretendo jamais gloriar-me a não ser na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o  mundo”; é desta assemelhação, também, que nasce e floresce a marca, o modo de ser, a identidade mais profunda, a glória maior do cristão, tão bem assinalada pelo mesmo São Paulo: “De agora em diante, ninguém mais vai me molestar porque trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo crucificado” (Gl 6,17). Dentro deste mesmo sentimento falou o Papa Francisco aos cardeais: “Quando caminhamos sem a Cruz [...], não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”.  
Por isso, não é a toa que a tradição franciscana sempre viu São Francisco muito ligado ou próximo de São Paulo. A exemplo deste, também o jovem cavaleiro de Assis, no caminho das Apúlias, foi derrubado da cavalaria “do mundanismo da glória humana e do bem estar pessoal” (EG 93) para tornar-se “administrador e mensageiro das odoríferas palavras do seu Senhor que é o Verbo do Pai e as palavras do Espírito Santo, que são espírito e Vida” (Cf. 2CFi). E assim, ele e seus companheiros, “indo pelo mundo, como ’peregrinos e forasteiros’, nada levando consigo a não ser Cristo, [...] faziam grandes frutos nas almas, pois eram verdadeiros ramos da videira viva” (Atos 4).

3. A sabedoria dos pequeninos e dos pobres
Enquanto o homem do mundo procura construir e consertar o mundo pela pseudo-sabedoria do prepotência, quando não da violência e das armas, Cristo propõe o caminho da loucura da Cruz (Cf 1Cor 1,18), o caminho dos pequeninos e dos pobres, tão bem decantado por Ele mesmo no Evangelho de hoje: “Eu te louvo, Senhor do Céu e da Terra porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos”.
Cristo, o maior, o máximo, o mestre se “abreviou, se apequenou” (VD 12), se fez menor, o mínimo, o servo, o discípulo. Aquele que não cabe no universo inteiro coube num coxinho de estrebaria e depois nos braços de uma cruz e num pedacinho de pão. Esta é a sabedoria da nova Escola, da nova Ordem inaugurada por Cristo com seus Apóstolos e redescoberta por Francisco, a sabedoria que salva, restaura e redime o humano de todos os homens de todos os tempos. Sabedoria que significa Caminho, Escola, Ordem onde o homem se exercita para ser de novo filho no Filho; para fazer-se menor com o menor, mínimo com o mínimo, irmão e servo de toda a humana criatura.
Por isso, Mestre Eckhart, num sermão pronunciado na festa de São Francisco relembra que ele é louvado por estas duas coisas: a verdadeira pobreza e a verdadeira humildade.
Pobreza que não significa um vazio, uma carência, uma lacuna ou ausência de, mas o júbilo da ter encontrado a riqueza, o tesouro de sua vida: o “Deus meu e tudo”. Por isso, Francisco em vez de lamentar-se ou considerar-se pobre sempre se teve como a pessoa mais feliz, realizada e rica da terra. Deus é o seu próprio. Por conseguinte, a ele – Francisco - pertence também tudo o que é de Deus: o céu e a terra e tudo quanto neles há. E dele são também os anjos e os santos e tudo quanto é deles.
Também a virtude da humildade evangélica ou franciscana antes de ignorância, fraqueza, timidez, inferioridade, subserviência significa ser tomado pelo vigor que nasce da gratuidade do encontro, do amor. Desta virtude - a humildade - pela qual São Francisco é louvado, diz um mestre na Espiritualidade franciscana: “A humildade é o vigor do céu e da terra. O vigor do céu e da terra é grande, imenso, inesgotável e sereno. Terno e carinhoso, tudo envolve na sua transparência cordial. De nada se apossa, tudo deixa ser na inocência nasciva da admiração. Singelo e simples, variegado e uno, vivo e criativo, jovial e profundo a todos serve com alegria. É seguro e firme como a bondade do pai, solícito e benigno, delicado como o olhar e o toque da mãe. [...] Por isso o vigor do céu e da terra não encabula a ninguém; não provoca a gratidão nem admiração. Silencioso como nada, deixa ser tudo e a todos à vontade, em casa” (HH).

Duas conclusões e uma prece
Não será este o modo de ser do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo? O modo de ser d’Ele mesmo, o nosso Mestre? “Aprendei de mim, pois sou manso e humilde de coração”. Não será este o modo de ser do seu Sopro Sagrado?  Não será este o  modo de ser – caminho – a sabedoria que o cristão precisa amar e seguir para reconstruir a Igreja; modo de ser, caminho, sabedoria, ordem  que  o homem de hoje precisa seguir se quiser realmente restaurar seu humano, o humano de todos os homens, se quiser reconstruir sua Casa Comum, a Criação!?
            Mas, para que isto aconteça, é preciso recordar que São Francisco antes de um ambientalista ou pacifista foi um convertido. Uma conversão que nasce e floresce da alegria do encontro com a Boa Nova de Jesus Cristo crucificado.

“Altíssimo e glorioso Deus,
ilumina as trevas do meu coração:
Dá-me Senhor uma fé reta, uma esperança certa
e uma caridade perfeita, senso e conhecimento
para que realize teu santo e veraz mandato. Amém” (OC).



"É como reformador que a Igreja celebra Francisco ao propor, na primeira leitura de sua solenidade, o exemplo de um reformador do Templo de Jerusalém. Francisco foi grande reformador. Reformar é reconstituir todas as coisas na sua forma originária, isto é, no vigor de ser da origem. Para reformar, é preciso revolucionar. Mas reformar é mais do que revolucionar. O revolucionário é um homem que diz não. Mas diz não por ter dito sim. Reformar, ao modo de Francisco, significa lançar o fundamento e restaurar o vigor e o esplendor do ser, num novo sim, na força de uma nova determinação do princípio. É ser fundador, desde o princípio que tudo funda. Mas, por e para revolucionar, por e para reformar todas as coisas desde o vigor da inocência de um novo sim, é preciso transformar. E não é qualquer transformação que interessa. O que interessa é a transformação do espírito. Espírito, aqui, não diz uma parte do homem. Mas o seu todo. O seu todo, corpo e alma, enquanto seu ser está enraizado na liberdade do ser e no ser da liberdade dos filhos de Deus. Melhor do que espírito, talvez seria dizer coração. Pois o espírito é, no fundo, amor. Francisco revela que a essência, a forma de vida, do discipulado de Cristo é o amor universal, a caridade, o "amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Coração diz, então, a cordialidade de ser como amor. Francisco traz a reforma, a repristinação de todas as coisas, a partir do vigor do amor universal, da fraternidade, que surge desde o amor do Cristo Crucificado, que, amou o mundo a ponto de consumar sua entrega definitiva por ele e amou os seus até o fim. Não será a partir desta necessidade de reforma que o Espírito concedeu à Igreja, hoje, um papa chamado Francisco?"



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